CRÍTICA: O livro GETÚLIO. (*)

Eu mesmo não sei se fiquei mais exigente ou mais chato com o passar dos anos. Há quem diga que é mais pra chato; outros, dizem que estou ranzinza. Meu medico acupunturista,que trata de tudo sem remédios mas apenas com agulhas, me aconselha a “pegar mais leve” e apreciar com moderação meus vinhos chilenos e meus escoceses pré adolescentes; só que não entendo como alguém pode “apreciar” alguma coisa com moderação – não imagino como apreciar uma paisagem, um livro ou uma tela do Siron Franco com moderação! - sigo então fazendo o que posso “a meu gosto”, como se diz no Rio Grande.

Pois conheci Lira Neto - sem intimidade - em Fortaleza ainda apenas jornalista. Depois ele resolveu escrever biografias e vem se dando bem; boas edições e dinheiro, faço votos, desde Castelo,Maiza,Padre Cícero e agora com Getúlio. Não li e nem pretendo ler nenhum; os personagens não me interessam, exceção a Getúlio Vargas,mas deste tenho coisa melhor. Digo melhor mesmo sem ter lido o livro dele sobre Getúlio, porque o que li a respeito, num artigo publicado na Folha e as duas entrevistas que ele deu falando do conteúdo do livro; uma na GloboNews e outra na TV O Povo, que é do jornal que ele trabalhava, numa arena imitante do Roda Viva da TV Cultura de São Paulo.

Entre coisas estranhíssimas sobre o Rio Grande ele disse que, com esse trabalho de pesquisa sobre Getúlio, "descobriu" que existem muitas semelhanças entre os gaúchos e os cearenses. Delirando destacou como idênticos o “machismo” (que é uma atitude de intolerância de homens para com as mulheres, e não o que ele entende) dos cearenses e dos gaúchos – que ele confunde com a bravura histórica de quase 300 anos de lutas pela terra; isso é macheza, modos e atitude de macho. E disse que ambos, gaúchos e cearenses, têm o mesmo espírito (se não foi essa a palavra, foi com o mesmo sentido) de vingança, de lavar a honra com sangue por "qualquer motivo". Pelo chiripá e pela lança de Sepé Tiaraju!!!! Valei-me Padim Ciço!!! De onde ele tirou isso?

É o que dá escrever as orelhadas, como fez José de Alencar, conterrâneo do Lira Neto, com O Gaúcho sem nunca ter estado no Rio Grande do Sul. É engraçadíssimo (mais do que atores da Globo falando como nordestinos, como em Gabriela, ou, como gaúchos, em O Tempo e o Vento). Devem ter pensado que dá pra fazer como fizeram Edgar Rice Burroughs, que escreveu Tarzan sem nunca ter estado na África,como Willian Shakespeare, que escreveu Coriolano sem ter estado na Roma do século IV a.C., ou Giuseppe Verde, que compôs Ainda sem nunca ter estado na Etiópia e no Egito dos Faraós. Bom, mas aí já é outra coisa. E outra gente.

Desculpem-me se o texto é longo – tem gente que reclama – mas só consigo escrever como “antigamente” – que faz pouco tempo – como as boas e velhas cartas, pois não consigo escrever nem Bom Dia! usando apenas 140 dígitos. Então recolhi alguns trechos do artigo do Lira Neto publicado na Folha e do livro que escreveu sobre Getúlio Vargas. Dizer que os jantares do Gegê eram “comilança pantagruélica”, aludindo ao glutão Pantagruel de Rabelais; que “impressionava os convidados pela enorme quantidade de proteína animal que conseguia ingerir de UMA SÓ VEZ”; que era “herança da infância e da juventude”; dizer que Getúlio “foi INICIADO no ritual de abater e carnear o boi”; que – referindo-se ao churrasco – “as chamas conferindo COR, AROMA E SABOR às fibras sangrentas SORVIDAS na forma de NACOS FUMEGANTES”; botando na boca do escritor Pedro Vergara, uma explicação ridícula sobre o churrasco; sobre a preferência de Getúlio “pelo ossinho em forma de forquilha” sem explicar esse habito como se faz e pra que é que serve, torna-se apenas um ato tolo, sem sentido, e irrelevante na narrativa; que o Getúlio depois de jantar ia para a praia “fazer o quilo”, uma expressão digna de Machado de Assis e do tempo dele, e que era “uma CAMINHADA A PÉ; que “as páginas dos livros do Getúlio ainda estudante recendiam (cheiravam a seria melhor) a tabaco e, também, a ERVA MATE MOIDA”; escrever “...do GAUCHÍSSIMO Getúlio”; que Getúlio “falava nas reuniões com uma BOMBILHA NA BOCA”.

Tudo isso é ridículo, patético. Pobre biografia do Pai dos Pobres, elogiada e glorificada pela imprensa e pela crítica literária brasilina, pobre literatura. E isso é apenas um trechinho do primeiro livro de uma trilogia. Não quero ler esse livro; parece escrito com o “português” do Paulo Coelho, de quem li apenas dois livros a duras penas, durante a última edição (a 265ª) da minha “Semana da Bondade” há três décadas.

Acho mesmo que o tempo me tornou chato e ranzinza pra certas coisas. Porém, intolerante ainda não.Escrever sobre a vida privada e pública e sobre o legado do mais famoso presidente da república - bem ou mal o único Estadista que este país teve até hoje - não se faz com meia dúzia de informações e nem mesmo com um milhão delas. É pouco para contar a história política de quem foi ditador por 15 anos e depois eleito presidente, democraticamente, para um mandato que exerceu por 3 anos e meio apenas, se não tivesse resolvido "sair da vida para entrar para a história" com um tiro no peito. Também é preciso muito anos de trabalho intenso para contar a história de um homem que viveu 72 anos e governou num país agrícola, subdesenvolvido,cobiçado por nazistas alemães, fascistas italianos,integralistas brasileiros e por norte americanos democráticos cristãos, por quase 20 anos. Não desmereço o trabalho de pesquisa do autor de Getúlio, mas o resultado, até agora,é muito ruim.

* texto revisto e aumentado.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 02/07/2012
Reeditado em 06/08/2014
Código do texto: T3756387
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