O despacho

Ela, feliz da vida, embarcou na aeronave. Levava consigo os dois filhos para assistir ao show dos Rebeldes na capital amazonense. Lá, aproveitaria para curtir seus pais e irmãos.

O show foi aquela coisinha comercial que fascina a criançada do século XXI. A comidinha da mamãe, os afagos do papai e o carinho dos irmãos foram ma-ra-vi-lho-sos.

Ao arrumar as malas para a volta, Bete sentiu falta de todos os seus documentos – seus e dos seus dois filhotes. Procura daqui, revira dali, rebusca dacolá e nada... “Ai, meu Deus...” O que uma pessoa normal faria em situação parecida? Bete, inteligentemente, dirigiu-se a uma Delegacia de Polícia e registrou o extravio.

No dia seguinte, com o Boletim de Ocorrência (BO) na mão, os três se dirigiram ao balcão da companhia aérea para o check in. A balconista, ao ler o documento policial, disse não poder considerá-lo, pois, ali, constava perda de documentos e eles só aceitariam a justificativa por roubo. Indignação:

- O quê!?!

- É isso mesmo... Só aceitamos o BO se for caso de roubo.

- Quer dizer que eu tenho que ser roubada pra poder viajar? Perda não vale...?

Indignada, Bete, dirigiu-se ao balcão do DAC (Departamento de Aviação Civil) para fazer valer os seus direitos.

- Infelizmente, a atendente está certa. Mas há uma saída: aqui pertinho tem uma Delegacia de Polícia. Vá até lá e registre o roubo dos seus documentos...

- Como eu vou registrar roubo de documentos que foram perdidos? E se uma pessoa de bem os tiver encontrado e dirigir-se à polícia para devolvê-los? Será que não prendem o cidadão por ter roubado o que ele não roubou? Vou agir diferente.

Soltando fumaça, Bete dirigiu-se ao balcão da TAM, comprou passagens mediante apresentação daquele BO em que constava perda de documentos e, no dia seguinte, sem dificuldades, voltou pra casa em vôo da empresa criada pelo Comandante Rolim e, recentemente, indicada ao título de campeã nacional de overbookings.

Bete achava ter direito à devolução do dinheiro pago pelos tickets não utilizados. Depois de muita insistência – MUITA MESMO! -, conseguiu ser atendida pelo 0800 da Companhia Inteligente, aquela que havia lhe negado o embarque. Explicou a situação e pediu instruções para ressarcimento pelas três bilhetes. Instruíram-na a dirigir-se à loja de passagens.

Lá, a atendente mostrou-lhe uma planilha com e explicou-lhe que, após debitar as taxas por transferência de data e as multas por no show, ela ficaria devendo R$37,43 à empresa. Indignação de novo:

- Olha, esta foi a última vez que eu negociei com esta companhiazinha de merda. Vou fazer de tudo para destruir a reputação vocês. Se depender de mim, esta empresa está acabada. Vou apelar até pra macumba!

Poucos dias depois, Bete soube da queda de um avião daquela concessionária que lhe fez pouco caso e, ignorando o sentimento das famílias que perderam integrantes no acidente, partiu para a vingança. Apanhou o telefone, ligou para a loja de passagens da Empresa e desfiou:

- Olha, quem está falando é Bete Ferreira Gusmão de Oliveira e Silva... Eu bem que avisei, mas vocês não me deram atenção... Fui ao terreiro do Pai Orismar e encomendei uma mandinga... O primeiro avião já caiu... Me aguardem, viu? Vem mais coisas por aí... – Feliz da vida, nossa neo-macumbeira desligou o telefone, tomou um copo de vinho e adormeceu sorrindo.

e-mail: zepinheiro1@ibest.com.br

Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 10/02/2007
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