O patinho feio

“Porém o SENHOR disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem para a grandeza da sua estatura, porque o tenho rejeitado; porque o SENHOR não vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o SENHOR olha para o coração.” I Sam; 16; 7

O sentido da visão, sem dúvida, é o mais fácil de ser ludibriado, entretanto, parece ser ele que norteia a maioria de nossas decisões.

Já os gregos aconselhavam transcender às aparências e buscar a alma, como versa “O Banquete” de Platão, cujo teor, vou citar parte, de memória, portanto, deve ser entendido mais como uma paráfrase, não, como citação literal.

“ É mau aquele amante popular que ama ao corpo mais que à alma, pois, funde-se a algo que não é perene; Uma vez cessado o viço do corpo que era o que ela amava, alça seu voo sem respeito às muitas promessas feitas. Por outro lado, existe uma espécie de amor urânio, (celestial) que valoriza antes de tudo a beleza da alma. Esse tende a permanecer, pois, fundiu-se a algo que não é efêmero, passageiro.”

Deve ser desse amor que falou o apóstolo Paulo ao dizer: “O amor jamais acaba.” Todavia, centenas de casamentos se desfazem diariamente porque o “amor acabou”.

Possivelmente, aquele “amor” qual, prioriza a beleza física que, por ser biodegradável, acaba-se com o tempo. Basta ver os “Realitys Shows” que tanto vicejam, para concluir que se prioriza “almas” belas.

Mas como seria possível “ver” o coração, para, assim, transcender às aparências? O Senhor ensinou: “Do quê o coração está cheio, disso a boca fala.”

Todavia, nem mesmo isso, é assim tão simples, carecemos ler nas entrelinhas, pois as “linhas” são as cartas de pouco valor que se jogam à mesa, enquanto as outras, que se busca ocultar, revelam o ser.

Conheço dois casos recentes de pessoas que usaram microfones para declarar sua afeição pelas esposas, sem motivo algum, não era tema em pauta. Um estava em adultério, algo que veio à luz; outro agride sua consorte, por coisas banais. Suas consciências os acusam no íntimo, e eles se “defendem” em público.

O mesmo Paulo ensinou: “O homem espiritual discerne a todos e de ninguém é discernido.” O Espírito, pois, aliena-se aos meios da geração vídeo, aliás, sempre que exorta alguém, o faz, no sentido de ouvir; “Quem tem ouvidos ouça, o que o Espírito diz às igrejas.”

Certamente os meandros do poder em Brasília, por exemplo, são mui requintados, de bom gosto; como elegantes são, as pessoas que os frequentam; Contudo, fossem despidos os corpos e mostradas as almas, tornar-se-ia uma suja favela.

Em contrapartida, ontem, o Jornal Estadão registrou o feito de um casal de mendigos que devolveu 20 mil reais que achou sob o viaduto onde “moram”.

Inquirido, o anônimo sujeito sem nenhuma pretensão de herói, disse: "Minha esposa viu o saco e falou: 'e aquele saco ali?'. Na hora que eu fui lá e abri estava todo esse dinheiro. A única coisa em que pensei foi acionar o 190. Quando os policiais chegaram, não acreditaram que eu estava devolvendo. Eu parei para pensar no que minha mãe falou para mim: nunca roubar nada que é dos outros."

Atípico para uma sociedade cujas ameaças da lei não tolhem o mau caratismo; àquele bastaram longínquos conselhos maternos.

O pior, é que não faltarão adeptos do “Jeitinho brasileiro” para dizer que eles são trouxas, deveriam ter desfrutado a grana ilícita. Afinal, a moral anda tão em desuso que nos lagos de lama que nos circundam, erra desajeitado, o “patinho feio” da virtude.

Embora seja essa a única coisa decente a ser feita, atrevo-me a especular que ínfima minoria, ousaria tal desprendimento em nome de valores.

Afinal, somos uma alcateia antes que um rebanho, pelo desavergonhado culto dos desvalores e relativização de tudo; e, como disse Anatole France; “A moral do lobo é comer ovelhas, como a moral da ovelha é comer grama.”

Enfim, podemos ostentar muitas coisas ante os homens, mesmo nus, diante de Deus; Ele tolera essas máscaras até o tempo aprazado, contudo, mediante Isaías, adverte: “E destruirá neste monte a face da cobertura, com que todos os povos andam cobertos, e o véu com que todas as nações se cobrem.” Is 25; 7