"MEMBRO É A VÓ !"

Outro dia, mocinha agradável cumprimentou-me sorridente e indagou se eu era membro da Academia Francana de Letras. Respondi que sim, orgulhoso, mas interiormente contrafeito. É que detesto ser chamado de “membro”.

Pra mim, “membro” é palavrão. E não me venham com dicionarices, gramatiquices, intelectualices, litechatices (*)... Estudiosos têm lá suas burrices e impropriedades e eu também tenho direito às minhas implicâncias. Pra mim, “membro” é o apêndice inseparável, indissociável de um todo que, uma vez destacado, causa uma lesão funcional irreparável. Um braço, por exemplo. Já um “membro” da Academia deixando de ser acadêmico (**) não causará nenhum dano irreparável. Deixará a saudade, o sentimento da ausência e lamentar-se-á a perda. Abrir-se-á vaga que necessariamente será preenchida por outro escritor. Nenhuma lesão funcional, portanto. A Academia continuará funcionando e, por isso, não sou “membro” coisíssima nenhuma. Tenho personalidade própria e a Academia tem a sua; somos independentes, embora entrelaçados num objetivo que me enriquece.

“Membro”, pra mim, portanto, é parte de um todo, como o apêndice é do corpo, grudados, inseparáveis. Ora, eu não estou grudado na Academia. Mas, o braço está grudadíssimo no corpo e, se arrancado, vai morrer. De tal maneira que, se o corpo morrer o braço também morre. Ora, se a Academia morrer, necessariamente eu não morrerei. E vice versa. Aliás, desejo que ela sobreviva e se eleve cada vez mais; que não resvale nunca para o circo barato do exibicionismo vulgar e continue sendo o centro de cultura literária que é; que saiba sempre dizer não às tentativas de escorregá-la para a vidinha “literária” dos botecos.

Por isso, no momento e até que permaneça como integrante do quadro da academia, parafraseando o ex-Ministro da Cultura Eduardo Portela, não sou “membro”, estou acadêmico, associado à academia, privilegiado confrade e admirador dos estimados amigos, companheiros e inspirados escritores francanos que participam da nossa entidade.

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(*) A aplicação de um termo figurado (“membro”) por falta de termo próprio chama-se “catacrese”. Embora consagrada, no caso da Academia é desnecessária, uma vez que existem termos próprios para designar o integrante da Academia: acadêmico, sócio, integrante... e até imortal. Imortal, dizem as más línguas, porque escritores –em sua maioria— não têm onde cair mortos.

(**) Perde-se a condição de acadêmico por abandono, renúncia, não pagamento das contribuições financeiras ou falecimento.

José Eurípedes de Oliveira Ramos
Enviado por José Eurípedes de Oliveira Ramos em 11/02/2007
Código do texto: T377594
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