"VIOLA, MINHA VIOLA"...

É dor que dói e não tem jeito: a saudade de um tempo emparedado nas lembranças guardadas no fundo da alma. No grande salão de entrada da casa, uma parede inteira de fotografias emolduradas, todas encarreiradinhas, muito bem ordenadas pelo tamanho, ou pelo formato: as duplas sertanejas que meu pai amava. As camisas de xadrez, os chapéus, as botas, sempre a viola, símbolo daqueles artistas que aprendi a admirar junto com ele. Cresci ouvindo a verdadeira música caipira. Aquela que contava histórias de homens valentes, de malfadados amores, de casinhas à beira da estrada, das boiadas pras bandas de Goiás e Mato Grosso, geografia da qual eu não fazia a menor ideia...

Era nas viagens anuais à Aparecida do Norte, que ele trazia as novidades. O livrinho com as letras das “modas” caipiras vinham junto. Para mim, que estava juntando as primeiras letras, aquilo virou um rico material de leitura. Lia até descobrir, até aprender todas as letras, e depois cantava tudo de cor, me emocionando com a beleza daquelas toadas sentidas. Ver meu pai, ao entardecer, com sua viola, cantando aquelas coisas bonitas é algo que jamais vou esquecer. Vez em quando ele compunha também e quando mostrava as “modas que tinha inventado” eu me encantava, pensando em como ele era também um grande caipira cantador...

Raul Torres e Florêncio, Tonico e Tinoco, Zico e Zeca, Liu e Léu, Cascatinha e Inhana (ah, Colcha de Retalhos que marcou a minha infância!), Tião Carreiro e Pardinho, Pedro Bento e Zé da Estrada, Caçula e Marinheiro, Craveiro e Cravinho, Vieira e Vieirinha, Tibagi e Miltinho, Pena Branca e Xavantinho, Belmonte e Amaraí, são alguns dos nomes consagrados daquele tempo que, eu ainda não podia saber, mas representaria a Era de Ouro do Rádio em se falando de música raiz.

Hoje vi no programa “Viola, minha Viola”, de Inezita Barroso, uma linda homenagem a Raul Torres. Vieram à tona todos esses recortes do passado. Foi emocionante ver algumas duplas muito jovens com suas violas maravilhosas resgatando o sertanejo autêntico: a música dos caboclos do sertão, dos vaqueiros e boiadeiros, das festas de terreiro, em noites de São João, das tragédias amorosas, das guarânias apaixonadas... Como não chorar a saudade do que já foi, em outros dias, tão presente, tão real? Como não lembrar a viola de meu pai que hoje derrama suas notas no terreiro das estrelas? Ah, se pudesse apertar “review” e o tempo voltasse...