Cego

Wilson Correia

A mentalidade privatista é mais que mera ideologia de uma classe social. Ela é cosmovisão. Visão de mundo. Mundividência.

Como redundância pouca é bobagem, a mentalidade privatista é o reino onde impera o eu, o ego, o solipsismo do idiota que pensa que o mundo começa e acaba em si mesmo.

Essa mentalidade abunda no Brasil. Aqui, o mundo do meu é defendido com unhas, dentes, balas, capangas, assassínios, tribunais, siglas políticas e sindicais.

Aqui, o Estado é assaltado, diuturnamente, e não acontece nada. A propriedade privada é ameaçada e lá estão todas as forças protegendo o egotismo nacional.

Tocou na minha manteiga, cadeia! Buliu com minha carteira, bala! Atravessou minha cerca, chumbo! Abalroou meu carro, golpes do vale tudo e um pouco mais.

Destruíram o telefone público, paciência! Roubaram o dinheiro da res publica, foro especial. Assaltaram o bem comum, palmas! Desfalcaram o Estado, aplausos! Mentiram para chegarem ao poder, ovação!

A ética do eu é essa doença que ataca os olhos e nos dá meia visão das coisas. O mundo mesmo, integral, torna-se objeto de indiferença. Ninguém quer ver, ouvir, agir!

A ética do nós, do nosso e do comum é algo para ser ignorado, espezinhado, ferido, jogado no lixo e alquebrado, como se não fosse essencial para a manutenção de nossas existências.

E, de roldão, tudo parece ser reduzido ao mim mesmo por mim só. O outro? Ficção. A sociedade? Ilusão. A vida socialmente produzida e mantida? Grande e utópica quimera que não nos levará a lugar algum.

É em meio a essa mentalidade que estamos em greve federal. Os professores, esperneando para evidenciarem o valor de um direito histórico e social em face do privilégio do ter em particular.

Indiferença total! O professor, a enfermeira, o médico, o advogado, o engenheiro, o pedagogo, o filósofo... é como se não fossem formados pelo dinheiro de todos nós. Quem ama a propriedade privada deveria amar ainda mais o que é de todos, pois ali está o que verdadeiramente é meu e com o qual sempre poderei contar.

Mas... não! Cegueira: não é comigo! São eles. Que se entendam. Que se virem. Que se tratativem com o governo, essa coisa que quero longe de mim...

Nessa onda, todos se esquecem que vieram ao mundo por conta de outros; que vivem a vida graças ao que os outros disponibilizam; que jamais são, em absoluto, independentes, autônomos e senhores de si.

Esquecem-se de que morrerão pela mão dos outros e de que será pela mão deles que irão partir...

E, enquanto isso, que a universidade pública se dane, ela e tudo o mais que deveria ser nosso. Afinal, ela e tudo o mais da mesma natureza não acrescentarão nada ao meu existir...

Cego, eu não quero intervir!