Três amigos dois destinos

Por Gilrikardo

Todos jovens adolescentes, cheios de gás e ávidos pela aventura. E assim fizemos, como andarilhos, cada um com sua mochila, rumamos a pé em direção aos dias de agito. Na bagagem somente o possível, uma barraca, duas peças de roupas, algumas latas de sardinhas e salsichas. No bolso, uma pequena soma de trocados, não tínhamos para esbanjar em besteiras, tais como salgadinhos, refrigerantes, entre outros. Foi um dia de caminhada e lá estávamos. Montamos o acampamento e fomos as compras, foram alguns pães para acompanhar os enlatados em nosso rango. Em seguida, saímos sem destino.

Rodamos de um lado a outro, a orla estava lotada, uns bebendo cerveja, alguns comendo, outros tomando sorvetes e picolés. Eu olhava para todas aquelas bocas e imaginava quando voltaria a um lugar daqueles, mas com dinheiro para enfim deliciar-me. Seguimos em frente, em direção às peripécias marítimas.

Entre o mar e a areia ficamos boa parte da tarde, de vez em quando bebíamos água para amenizar o gosto de sal. Ao anoitecer detonamos um pacote de refresco e pão. Após, planejamos o que seria a diversão noturna, restava-nos alguns trocados cujo valor era insuficiente para qualquer atividade disponibilizada aos turistas com dinheiro - bares, parques, boates, etc. Foi quando alguém sugeriu cachaça e assim faríamos a nossa balada.

Só dois litros de pinga e iniciamo-nos na arte, o dono do bar ainda nos presenteou com o gelo. Descobrimos ali, naquela bebida barata, a fonte do prazer e diversão. Tomamos como se fosse refrigerante, as conseqüências vieram depois, a ressaca no alvorecer, eu não podia mexer a cabeça, parecia que tudo estava frouxo. Passamos um bom tempo nos recuperando daquela doideira para no anoitecer, sem muitas opções, partirmos em busca da “marvada”. Embarcamos novamente na bebedeira madrugada adentro; eu ficava muito zonzo, sentia-me horrível, não achava graça no primeiro trago, mas aprendi que o bom era depois do segundo e do terceiro, aí ninguém me segurava. Dá-lhe cana gelada, que refrescante, descia macio como fosse “di” veludo.

Uieeeeêêê.......... Até que enfim descobrimos as delícias daquela poderosa água de fogo, tudo se transformava em minha volta, tudo ficava “as mil”, não nos faltava nada. Estávamos na praia, entre camaradas e tudo em alto astral. O resto que se exploda. Ficamos dez dias naquela dieta de pão, enlatados, água e muita, muita cachaça mesmo. Iniciamos com dois litros, e lá pelo final já estávamos consumindo quase o triplo. E não era só a noite, pois já acordávamos querendo molhar o bico. Assim continuamos até o retorno.

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Segunda-feira, após dez dias de intensas ressacas, perambulava próximo à praça Rui Barbosa. Lá pelas dez horas da manhã, uma coceira na goela começou a incomodar-me, lembrei-me da cachaça, que coisa terrível... vontade incontrolável... será que é isso mesmo - indaguei-me. Atendendo o impulso, entrei no primeiro boteco e pedi um martelinho (copo pequeno), neste meio tempo, olhei para o sol brilhando lá fora, pessoas andando de um lado a outro pelas calçadas, ali no balcão outras com atitudes de quem estava trabalhando, assumindo seus compromissos, numa mesa havia dois bêbados com caras de farrapos humanos, e eu pedindo cachaça, “pliiiiimm” naquele instante, frente aos contrastes, meu anjo da guarda cobrou-me uma atitude.

Gritou tão alto que escuto até hoje:

“o que é isso companheiro! em plena segunda-feira, dia de São Pega e você querendo beber, logo de manhã, aonde você pensa que vai chegar com isso, consegue imaginar, então imagine-se numa trajetória de borracho*, tal aqueles dois ali no canto.

Quando o rapaz trouxe o pedido, minha garganta ainda coçava. Estava com a boca salivando, em desespero para avançar naquele copo. Mesmo assim, dei ouvidos à minha consciência, levantei-me e saí apavorado, imaginando como é terrível lidar com essa vontade. Como é fácil deixar-se abater pelo álcool. Será que todos que são alcoólicos iniciam de maneira tão simples como a que se apresentou a mim. Senti-me muito assustado, pois foram meses com aqueles delírios pela falta da danada; fiquei um bom tempo longe de qualquer bebida temendo alguma recaída.

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Hoje, após décadas, ao relembrar o acontecido aos dois amigos que me acompanharam, lamentam porque não compartilharam também a segunda-feira e assim, quem sabe, o rumo de nossas vidas teria sido outro. Ambos são alcoólatras e sofrem internações constantes sem lograr êxito em suas recuperações.

*borracho > alcoólatra, adicto, viciado, ébrio, bêbado, pinguço...