"ASSOMBRAÇÃO SABE PRA QUEM APARECE"

Sobre assombrações digo que vêm em duas modalidades: tem aquela temida, saída diretamente dos contos de terror (eu mesma escrevi um livro inteiro sobre elas). Costumam vir nas ventanias, têm vozes roucas e gemidos horripilantes. As mais pacatas também gostam de noites enluaradas e estradas desertas. Ficam ali bem à curva, à espera do desavisado que certamente vai arrepiar até o último fio de cabelo quando ela pular na sua frente, estendendo para ele seus dedos tortos e ossudos. Estas são justas: vêm apenas cobrar de seus desafetos antigas dívidas . Bendita lhes sejam a vingança!

O mesmo não dá pra dizer sobre a assombração de araque. Normalmente vem disfarçada, e o que mais revolta nela é a covardia. Outra coisa: sempre sabe muito bem pra quem aparece! É aquela que escolhe vítimas indefesas, frágeis, incapazes de reagirem ao espanto. Tripudia em cima do estrago, aproveita-se do silêncio, da inoperância, da surpresa do martirizado para soltar no ar os seus grasnados assustadores. Esta sim, merece cautela! Todo cuidado é pouco, pois está sempre coladinha na aba da sua presa para entrar em cena com a "Hora do Tormento I, II, III, M"... E por aí vai...

Você conhece alguma assombração assim? Ainda não? Não se iluda, um dia ainda vai conhecer. E sem chance de você não notar quando ela surgir dentre as brumas! A figura é inconfundível: é prima em primeiro grau do “Bento Carnêro, Vampiro Brasilêro”, o do Chico Anísio, lembra? Mas não tem nada não! É uma rodada na capa e a queda ao chão! Bem feito! E com aquela cuspidinha básica de fumo barato e dente cariado, sai capengando, tremendo de medo de uma assombração de verdade...

(Inspirado no texto "Desde o dia", de Zélia Maria Freire que diz “assombração sabe pra quem aparece...”. Um abraço, Zélia!)