Lembranças que Voam.

Na época que vivia em São Paulo eu não podia freqüentar locais considerados mais ou menos dignos, nem mesmo aqueles bares de esquina da Vila Mariana me eram aceitos.

Minhas condições de estagiário e universitário, subalterno, surrado pacas, me davam apenas a possibilidade de ingressar nos sórdidos botequins do centro velho, com seus puteiros e cinemas melados, além de algumas bocas de lobo cravadas nas avenidas Vergueiro, Domingos de Moraes e Paulista. Na Rua Apeninos também costumava freqüentar um daqueles quentes botecos de porta de faculdade. Recostava os cotovelos no balcão e pedia Antarctica, ouvindo a rádio Kiss Fm. Bons tempos. Copos americanos ensebados, aquela dose de vodka e vez ou outra um louco ao lado desabafando a miséria de seus dias.

Meus dias eram andanças entre ruas, avenidas e multidões enfurecidas, aos esbarrões, cantadas e pedidos de desculpas. Prédios centenários e respirações profundas depois de um cigarro e longas caminhadas, eram como que lenitivos para prosseguir. Uma fome ali, outra acolá, uma fome eterna; sonhos, vários... milhares de sonhos e desejos abortados no fervor da megalópole, onde todos os caminhos se cruzam, onde todas as idéias se entrelaçam e todas as tribos possuem seus adeptos.

Por vezes cambaleante, vagava segurando a maleta preta, os sapatos gastos, seguindo os passos e números processuais. O dinheiro curto, esperança larga; sonhos de um jovem de vinte e um anos.

Muitos livros e muitas bibliotecas... Muitos botecos, moteis baratos, olhares e solidões... Muitos dias de rotina e pouca regra a ser seguida. Seguia o Drummond, o Bukowski, o Pessoa, o Baudelaire, o Camus, o Sartre, o Nietzsche, o Will Durant, Willian Blake, Jack Kerouac, o Fausto Wolff e principalmente seguia as pegadas de um homem livre. Seguia a Priscilla, a Rainha do meu Deserto...

Naqueles tempos os dias eram eternos e agitados. Começava cedo com uma corrida no Ibirapuera e terminava atravessando os sete quilômetros entre o curso e o apartamento das tias velhas e loucas, mas de corações imensos. E nem toda loucura é sinal de insensatez, assim como nem toda razão é princípio de verdade. Há muita coisa flutuando por aí, e o sol continua esquentando a calvície do velho e a inocência impúbere da criança.

Naqueles dias não se morria, até o junho de 1.999...

SAvok OnAitsirk, 20.7.12.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 20/07/2012
Código do texto: T3788341
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