Não perdoem as lágrimas

“Ser queriam o poder, por que não procuraram ganhá-lo através de eleições?” A colocação veio em uma discussão sobre os anos de chumbo de nosso país. Referia-se àqueles que pegaram em armas para defender seus ideais, contra a ditadura. Espanta a quase inocência dessas afirmações feitas por quem estava do lado de lá. O poder já havia sido conquistado nas urnas, nas regras da época, e usurpado pela violência das armas que deveriam defender a democracia. Na primeira vez que perderam a mira do fuzil, os votos mostraram o que verdadeiramente se pensava.

Fruto daquela (maldita) época, arrisco-me a perguntar quem estava errado: os jovens, quase crianças que, em seu idealismo e, até, seu pouco senso de realidade, abriram mão do conforto e da segurança e arriscaram a vida por aquilo que acreditavam, ou os usurpadores que usaram os recursos do Estado – que deveria proteger essas quase crianças – para oprimir, prender, torturar e matar a quem a eles se opunha?

Grassava um medo do povo e era enaltecida a mentirosa segurança que os mandantes davam ao país. Medo do povo? Deu certo quando as armas oficiais eram empunhadas? Deu errado quando deixaram de ser apontadas para a população?

A resposta veio pelas eleições: um presidente eleito que perdeu o mandato legalmente graças à sua petulância. Depois, venceu um intelectual de esquerda, ex-exilado. Após ele, um sindicalista que fora preso (infelizmente, hoje é grande aliado do então governador que articulou sua prisão). Ambos foram reeleitos. Agora, uma mulher que já pegou em armas contra o regime, foi presa e torturada, exerce a presidência. Com acertos e erros, vivemos num país livre e democrático, onde até os opressores egressos podem se manifestar.

Quem perde sua história, perde sua alma; é preciso saber a verdade, como disse a presidente Dilma no lançamento da Comissão da Verdade: “...em sua plenitude, sem camuflagens, sem vetos, sem proibições.” Aqueles que demonizaram os soldados, mentiram para a pátria vão se explicar quando? Para fazer justiça, não para ganhar perdão, pois pode-se perdoar muito, menos a tortura, o assassinato covarde, o enterro sem nome, o desaparecimento dos filhos dos outros. Pode-se perdoar quase tudo, menos quem provocou as lágrimas no jovem soldado que não entendia o que estava acontecendo.