O DIA DO ISCRIVINHADÔ

Minha mãe ainda não era evangélica. Doente, chamou - ou aceitou a visita de - duas amigas espíritas. Por total ignorância, não sei especificar se eram seguidoras da umbanda ou do candomblé. Acho que era umbanda. Seguiu o transe das duas senhoras, que foi um tanto violento para os meus olhos despreparados. Foi algo cheio de solavancos corporais. Primeiro baixou numa delas o caboclo enrolador, um cara responsável pelo atraso da obra lá em casa. Ele olhava para as paredes, com os olhos arregalados, e dizia: Não gosto desse lugar! Depois desceu, na outra senhora, a mais velha e respeitada, Oxum, se não me engano. Oxum mandou chamar o "iscrivinhadô" para anotar uma receita de simpatia e de ervas que curariam minha mãe. Apresentei-me, com caneta e papel, e anotei tudo o que a entidade dizia. Aquela pode ter sido minha primeira experiência com literatura transcendental. Por minha façanha, um tio e prima evangélicos me chamaram de "secretário do capeta".