Vizinhos, convivendo e aprendendo...

Parece que faz muitos séculos que tudo se passou... As crianças de hoje, já não brincam, limitam-se aos games, e afins. Quando encontram possíveis amizades, gostam de criticar, falar mal, bater, agredir. Em frente a minha casa, todas as noites reúne-se uma turminha de fazer inveja a muitos marginais. Eles batem nas meninas com paus, jogam pedras, furam pneus dos carros, falam mal, jogam bola no meio da rua, pulam os muros, dão surra nos gatos, sujam as ruas, reviram o lixo dos vizinhos, sem contar que silêncio para eles não existe. Parece até que são todos surdos, não sabem conversar, vivem aos berros, deve ser reflexo da educação que recebem em casa, cada vez mais permissiva, e desgovernada. E o vocabulário? Composto de palavrões de quinta geração anda nas bocas, inclusive das meninas bem pequenas, elas falam mal a família dos amiguinhos, dos coleguinhas, quem lhes passar na imaginação, como se estivessem repetindo palavras doces e veludosas. Quanta inveja das gerações passadas! E olha, não faz tanto tempo assim. Vejo meus sobrinhos na casa dos vinte e uma na casa dos trinta, ainda tiveram uma infância melhor do que a geração do meu filho e amiguinhos. Os pais? Não adianta procurá-los, ou tentar pedir ajuda, estão sempre muito ocupados... E dizem eles, que não adianta reclamar. São apenas inocentes crianças. Outro dia, estavam prontos para dar uma surra numa garota de sete, até que alguém interviu. Meia hora depois começou tudo de novo. Eu me limito a ficar assistindo na frente da casa, sem falar ou fazer nada. Se reclamar, é certo que vão furar os pneus do meu carro, quebrar espelhos, arranhar a pintura... Outro dia queriam até roubar a bicicleta do entregador da farmácia. Não, não moro na favela. Moro dentro de um condomínio fechado, com porteiro, e todas as comodidades deste tipo de lugar. O síndico? Nada pode fazer. O condomínio tem quadra poliesportiva, parquinho, área de lazer, churrasqueira, salão de jogos, mas eles preferem se reunir em frente à mesma casa e ali permanecer até altas horas.

Quando termina a sinfonia dos pequenos, começa a do dependente químico duas casas depois da minha. Tem dias que ele está mais feliz, pega o violão e berra as canções do Roberto, tentando imitá-lo fingindo uma voz macia e anasalada, esquecendo-se que às duas da manhã, outras pessoas precisam descansar. Isto é nos melhores dias, porque nos piores, a guerra nas fronteiras internas da casa deles, parece pior que a faixa de casa. Puro bombardeio quebram tudo nas paredes, e trocam disparos verbais dignos de uma carnificina da dignidade. Imaginem, lá vive uma idosa beirando os noventa e quatro. Acho que ela á noite se transforma em porta e fica completamente surda aos acontecimentos.

E ainda têm a bruxa solteirona que para reafirmar seu poder mágico precisa criar sete gatos, todos muito loucos, que adoram dispensar sua caixinha de dejetos e vir defecar nos jardins alheios. Sem contar, as Mari cotas de plantão, que ficam pontuando, pontinho por pontinho, tudo o que acontece na rua. Quem vai morrer, já foi antecipadamente enterrado, pois a senhora Boca de Maltide nervosa, já profetizou o tipo de morte, hora e local.

Tudo poderia ser muito pior. A convivência fica mais pacífica quando alguma criança faz aniversário, pois alguns resolvem dar uma festinha infantil que se estende até a madrugada, regada a cerveja e muito pagode. Música? A melhor possível, rola de tudo, sertanejo, funk, samba, e claro a orquestra de vozes das cantoras e cantores frustrados berrando uma verborreia ininteligível aos ouvidos humanos. Fecha metade da rua, você não pode passar de carro, às vezes ainda montam um pula-pula em frente ao seu portão, e para entrar e sair, você fica espremido, e acaba esbarrando em uma criança, ou pisando as fezes de algum canino. Em agosto ainda tem a retardada festa junina, e no Natal e Ano Novo, o churrasquinho tradicional no quintal. Não sei se de carne de gato? A bruxa solteirona, de tempos em tempos, vive percorrendo as ruas do condomínio, procurando seus bichanos, e ela jura que alguém os envenena. Será? Certa vez ela pregou verdadeiro testamento nos postes citando as leis de proteção aos animais, dizendo que eles tinham sido envenenados. Um dos porteiros disse que eles foram mesmo abatidos para o tradicional churrasco.

Sem falar nas piscinas mal conservadas que se tornam criadouro dos mosquitos da dengue. E dos ratos que passeiam pelas ruas, saindo de um bueiro para outro.

Ainda me sinto feliz, pois os pombos, ainda não ocuparam totalmente meu telhado, notifiquei o serviço de vigilância sanitária e eles mandaram seus funcionários nas vizinhanças, espalhar folhetos informativos para evitar o aumento das aves. Por enquanto, eles têm ido para as outras ruas, e só escuto o bater de suas asas ao entardecer.

Como adormeço? Após as três da manhã, quando os baderneiros cansados, se calam, e aí depois de três horas e meia de sono, acordo, mais cansada do que quando me deitei, e tenho a certeza que está na hora de rever meus conceitos. Preciso me espiritualizar cada vez mais, aprender a ter ouvidos e não ouvir, não criticar tanto os outros, e a ser feliz com o que tenho. Se não estiver satisfeita, vender a minha casa, e partir para outro lugar, onde certamente irei encontrar vizinhos quem sabe piores? Afinal nunca se sabe, onde moro, eles fazem barulho, mas ainda não resolveram atirar, sei lá se em outro território, será pior?

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 28/07/2012
Código do texto: T3800820
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