O FIM DA ESCRITA

Pego na folha de papel e na caneta na busca de evasão em que um silêncio de verão me afunda.

Não sei para onde me leva esta caneta, veículo de transmissão de pensamento, ainda hoje, mas em breve um primitivo meio, cedendo ao computador o seu lugar.

Por enquanto a caneta parece ainda algo de mais íntimo e directo entre o pensamento e a sua expressão.

O computador obriga à aquisição de uma técnica um manejo que respeite os caprichos do electrões, essas partículas loucas capazes de nos engolir um texto, um cálculo, um desenho, um projecto ou uma fotografia querida, sem dizer água vai e ao mínimo deslize de um sujeito.

Confesso que por vezes não respeito a electrónica, mea culpa.

A caneta ainda que seja Parker, Mont Blanc,ou Sheaffers está condenada ao museu, mas apenas e só a que a que tenha sido usada por um Saramago, um Vargas Llosa ou um Lobo Antunes A minha reles esferográfica, vai directa para a reciclagem. Há que preservar o ambiente do que ela escreve e do que ela é; -plástico.

Em tempos idos muitos artistas, eram capazes de escrever tão bem com canetas de ouro à luz dum candeeiro de mesa, como com cotos de lápis á luz de cotos de vela. Presumo assim Balzac e Dostoiewsky, mas gostava de os ver frente ao computador.

Se eu vivesse antes da invenção da escrita e do alfabeto o que faria para matar o tempo e o vencer, como agora senti vontade.

Talvez empunha-se um pauzinho e desenha-se no chão o meu estado de alma, mas ia perder-se o pensamento certamente.

Então talvez fosse melhor empunhar um escopo de pedra lascada e gravar na pedra, no entanto seria preciso uma eternidade para esculpir o equivalente a meia dúzia de palavras das nossas!

E quem seria capaz de decifrar e entender a ideia primitiva ao fim de milhares de anos?

Sim porque quem escreve quer lançar a palavra à eternidade embora a eternidade tudo apague.

Além disso correndo nova de um escrito mágico numa rocha algures, o sujeito para aceder ao dito teria de se deslocar ao sítio.

Agora o sítio (site) está na internet e vem ao nosso encontro face a face.

No entanto restam sítios onde ainda temos de ir, como a Fátima a Meca ou á Senhora da Aparecida ou da Porta Aberta. Eu pessoalmente também achei que devia ir a Loureiro ver o santo Heitor. E fui.

Da caneta de pedra o homem primitivo, evoluiu para a ardósia, a lousa, meu caderno, meu tablet do tempo, minha caneta de saudade da primária, onde como vêm fui assim ainda um contemporâneo do tal homem primitivo embora uma criança e sou agora adulto um contemporâneo de Neil Armstrong que pisou a lua. O tempo passa!

Também evolui ainda na primária para a caneta de aparo que molhava o bico no tinteiro partilhado com meu colega de carteira e lançava borrões na escrita o que dava direito nesse tempo a provar a menina de cinco olhos – palmatória.

Nem sempre o mata-borrão nos salvava.

A evolução dos meios de escrita levou-nos entretanto da caneta de tinta permanente (um eufemismo) ao requinte de aparos de ouro e depois à revolução da Bic, a esferográfica que vulgarizou o meio de escrita e destronou até o lápis do merceeiro embora alguns tenham resistido por respeito à borracha, que o não digo, ao freguês.

Estamos agora nesta era digital que também já pratiquei na 1ª classe, usando os dedos para apagar erros de palmatória ou não, o que sujava os calções ao limpa-los, e irritava a minha Mãe e a Professora.

Hoje é uma limpeza; delete, e já está.

Receio que a escrita com tal evolução deixe de ser escrita e passe o computador a fazer o trabalho a nosso ditado em alta voz.

Aí acaba o escritor e ocupa o seu lugar o orador, o que me deixa sem palavras.

Chegamos então ao fim da escrita, mas não ao fim da história.

Como a evolução do homem é contínua (há quem duvide), o escritor morre, mas a escrita não. Será executada pelo engenheiro, que não escreve, mas ordena ao comutador que escreva.

E aí, seremos brindados com saborosa prosa IBM, poesia lírica Samsung, belos romances Toshiba, crónicas com humor Sony e contos do mistério e amor HP.

Este ócio de verão levou-me longe demais, mas não retiro nem uma vírgula.

Boa tarde.