Pogrésso, muié! Pogrésso!

Sempre que olho para o alto e observo os belos prédios em construção, bate uma sensação que eu achava que só teria depois dos sessenta. Aqui na vizinhança e nos bairros próximos, há quem fique eufórico com os novos edifícios, loteamentos e condomínios. Já para mim, isto traz preocupação. Fico envolto num sentimento que talvez seja conservadorismo, e me pergunto se vai ser bom ou ruim para nós um lugar com centenas ou até milhares de novos habitantes. Será que é isso que chamam de progresso?

A propósito: e quanto ao cidadão trabalhando lá em cima, equilibrando-se nos andaimes dos prédios, marretando paredes, usando capacete e sapatão? Acredito que não será convidado para tomar champanhe na festa de inauguração do prédio que está ajudando a construir. Mas vai ao menos participar, de maneira mínima que seja, do tal progresso? Vai ter direito a escola boa para os filhos? Usufruir de atendimento de qualidade no hospital e nos consultórios? Vai conseguir chegar tranquilo em casa, para levar o arroz com feijão suado para a família, tendo segurança em seu bairro?

Outra dúvida que surge é se a infra-estrutura a ser oferecida aos novos moradores será adequada. Será que sofrerão com problemas já antigos na cidade, como por exemplo o da falta d'água nos bairros afastados? Ou até lá isto terá sido resolvido? Se sim, será que para todos? Pobres, ricos, recém-chegados e antigos estarão livres do aborrecimento?

Penso na situação futura do trânsito, já ruim. Não acredito que as pessoas mudarão de comportamento, deixando de lado a comodidade do uso diário de um carro, para escolher outras alternativas de locomoção. E de repente, me vem à cabeça a imagem de todos nós, daqui dez anos, tossindo como os paulistanos, enquanto gritamos com os olhos, com a cara e até com a alma "viva o progresso!". Teremos outras soluções para melhorar o trânsito? Podemos escolher o menos difícil, entre demolir cerca de dois metros de cada muro ou edificação para alargar as ruas (não se preocupem, já deve existir tecnologia eficaz para que os prédios e casas não desmoronem), verbas para construir viadutos ligando os bairros ao centro. Já imaginaram uma espécie de "minhocão" ligando a praça da fonte ao seu bairro? Fura-filas também seriam bem-vindos. Atenção candidatos! Mesmo sabendo que seus discursos estão prontos, vocês podem alterá-los e incluir as bonitas sugestões citadas acima!

A cidade está crescendo. O trânsito cresce junto. Vão crescer os problemas de infra-estrutura. E cresce o risco de população excedente, aumentar as diferenças e o social ser dobrado e guardado escondido no bolso. E aí quais oportunidades valerão mais a pena? As de emprego ou as de "faturar" carros desprotegidos? No próximo churrasco, vou propor uma aposta aos amigos: tentar adivinhar qual caixa eletrônico da cidade será o primeiro a ser batizado com dinamite.

Mas ainda temos as câmeras! Se o número de olhinhos eletrônicos da cidade aumentar mais, pode ser bom. Só que teremos que tomar cuidado redobrado com as mijadinhas descompromissadas, faxinas nasais e amassos mais "inspirados". Senão correremos o risco de nos tornarmos protagonistas de atrações restritas do tipo "sessão da tarde", "cine privé" ou "tela quente". As imagens mais aplaudidas poderão até ser agraciadas com um "vale a pena ver de novo".

Mas volto ao tempo presente e apenas suspiro angustiado ao passar em frente os gigantescos canteiros de obras, cantarolando trechos daquela música do Chico Science e Nação Zumbi, lançada em 94, mas que parece ter sido criada ontem: "a cidade não pára, a cidade só cresce. O de cima sobe e o de baixo desce".