A brisa do mato.

Capitão-Careca gostava do mato. Sentava na terra e sujava a bunda da calça que encardia ao ponto da Maria crescer os braços no tanque. Nem ligava, sujava mesmo. Dizia que nascera mesmo para sujar os azulejos que deus assentou, para limpar tinha gente – e gente de balde.

Sentava ali no chão, as calças curtas na canela, acendia um cigarro e tudo era passado. A fumaça ia indo, subindo, as lembranças vindo, indo, voltando... até sumir a fumaça no teto escuro das árvores. Tinha memória ruim o coitado. Mas fazia brasa na ponta e coisa aqui, coisa acolá, picava uma lembrancinha dum acontecido qualquer, dum cheiro, sei lá. Tinha essa mania boba – dizia a Maria – de achar que época tinha cheiro: “Cheiro de trabaio ocê num sente, homi!” – quando era isso que ela dizia o Capitão ria rolado, todo empoeirado da terra que subia pelas mãos.

Que alegriazinha aquele detalhe! Esqueceu até o que pensava já, deu mais uma tragada e lembrou da cidade nova, da casa nova, do banquinho na janela pra cachimbar um tico – nessa época era só fumaça sem lembrança. Mas lembrou que não lembrava de nada e achou graça, porque já agora esquecia tudo que tinha lembrado, até esquecer de vez – e se esquecia de lembrar.

“Vai pentear esse cabelo!” – a Maria grita isso de louca, é louca essa mulher! “Vem cá, nega, dá um chamego no Capitão!”. Não ia não, “Bundas sujas têm chamego não!” – ô, mulherzinha!

Esqueceu dela. Ficou ali só vendo o mato, verde, bagunçado e com cheiro de mato. Coçava a careca e se perguntava o porquê de gostar tanto do mato – não lembrava. Mas gostava, sentia uma coisa qualquer lá, gostosa, manhosa, preguiçosa, uma vontade de fumar. Acendia outro charutinho e fumava devagarinho que dava preguiça, tola, de buscar mais porque era longe. Essas coisas todas iam passando na cabeça do Capitão, que tinha esse nome de apelido e não de posição. Diziam por aí, por lá, por todo canto, que o Capitão era um vagabundo...coitado! Ele mesmo se defendia: “Larga eu, gente! Larga! Deixa eu fumar sossegado!”

Vinicius de Andrade
Enviado por Vinicius de Andrade em 02/08/2012
Reeditado em 03/08/2012
Código do texto: T3810750
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