FEAPEMN 2012 – Festival de Erros Absurdos no Processo Eleitoral 2012 em Morada Nova-CE

Entre 1966 e 1968 – em plena ditadura e como forma de criticar a repressão militar – Stanislaw Ponte Preta, cronista, escritor, radialista e compositor brasileiro, escreveu 3 edições do FEBEAPÁ – Festival de Besteiras que Assola o País, que tinha como característica simular notas jornalísticas, parecendo noticiário sério. Para se ter uma idéia, uma das notas noticiou a decisão da ditadura militar de mandar prender o autor grego Sófocles (morto há séculos), por causa do conteúdo subversivo de uma peça encenada na ocasião; noutra nota, o excepcional humorista relata: ‘O Diário Oficial publica "Disposições de Seguros Privados" e mete lá: "O Superintendente de Seguros Privados, no uso de suas atribuições, resolve (...), "Cláusula 2 — Outros riscos cobertos — O suicídio e tentativa de suicídio — voluntário ou involuntário".’

Os acontecimentos em Morada Nova, estado do Ceará, desde 5 de julho até estes dias, seriam cômicos se não fossem quase trágicos – ou, ao menos, significativos de desorganização, descaso e demonstração de desprezo para com a Justiça Eleitoral e a coletividade moradanovense.

Nesta cidade, no dia 5 de julho do corrente, após as 19h:00min – prazo limite para apresentação da mídia e documentos impressos relativos ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) e Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) – os integrantes da coligação partidária ‘Morada Nova de Coração’, formada pelo PPS, PR e PSL, tomaram um baita susto: somente a citada coligação e seus componentes haviam apresentado, a tempo e na forma prevista em Lei, os documentos dos entes partidários e dos candidatos, exigidos pela Justiça Eleitoral da 47ª Zona Eleitoral, nesta Comarca.

Esclarecendo: de acordo com a Resolução TSE 23.373/2011, DRAP e RRC são documentos obrigatórios para o registro de coligações, partidos e candidatos com pretensões a concorrerem, nas eleições de 2012, para os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador; os documentos exibem dados partidários (entre outros, a Ata da Convenção Municipal) e dos candidatos (cópia de documento oficial de identificação, certidões criminais da Justiça Estadual e Federal, fotografia do candidato, comprovante de escolaridade e de residência, declaração de bens, e, se em cargo público, prova de desincompatibilização). O DRAP e o RRC devem ser gerados no CANDex e são emitidos automaticamente pelo sistema, devendo ser assinados pelo representante da coligação, dos partidos e pelos candidatos, e ser entregues à Justiça Eleitoral, junto com os dados das coligações, partidos e candidatos gravados em meio magnético (o CANDex é o módulo externo do Sistema de Candidaturas, desenvolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral; seu passo a passo está disponível em www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-manual-do-modulo-externo-do-sistema-de-candidaturas-candex-eleicoes-2012). E, como em todo e qualquer ambiente da Justiça, o processo eleitoral prevê prazos, o Calendário Eleitoral deste ano é o texto da Resolução TSE 23.341/2011, peça publicada em Diário Oficial da União e em átrios de Cartórios Eleitorais de todo o país.

Outras três coligações partidárias pretendiam disputar as eleições majoritárias e proporcionais em Morada Nova: formada pelos partidos políticos PDT, PMDB, PSB e PSC, a coligação ‘Pra Crescer Ainda Mais’ representa o atual grupo gestor do município; a nominada ‘Morada Nova de Futuro’ congrega em suas hostes cidadãos contrários à atual administração e é composta pelas agremiações PC do B, PHS, PP, PPL, PRB, PSDB, PSDC, PT, PTN e PTC, apresentando candidatos a prefeito e vice-prefeito; a ‘União por Morada Nova’, formada pelos partidos PC do B, PP, PRB, PSDC, PT, PTN e PTC, é uma coligação dentro da coligação anterior, e apresenta candidatos a vereador.

No dia 6 de julho do corrente, às 16h:00min, foi lançado pela Justiça Eleitoral da 47ª Zona Eleitoral desta comarca o Edital de Publicação de Registro de Candidaturas, cujo teor trazia como únicos postulantes aos cargos das eleições 2012 no Município a coligação ‘Morada Nova de Coração’, os partidos que a compunham e seus candidatos

Ainda no dia 6 de julho as coligações ‘União por Morada Nova’ e “Morada Nova de Futuro’ apresentaram pedido de registro de candidatura e do DRAP, dois dias depois a coligação ‘Pra Crescer Ainda Mais’ fez o mesmo; os documentos chegaram à Justiça Eleitoral por conta dos pedidos de registros individuais de candidaturas de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores das citadas coligações. As agremiações pretendiam amparo no Art. 23 da Resolução TSE 23.373/2011, que estipula prazo de 48 horas seguintes ao Edital de Publicação de Registro de Candidaturas para os candidatos que não tiveram registros requeridos pelos partidos/coligações apresentarem pedido ao Juízo competente, através do formulário Requerimento de Registro de Candidatura Individual (RRCI); o parágrafo único do citado artigo estipula prazo de 72 horas para partidos e coligações apresentarem o DRAP após intimação judicial de seu representante legal.

Em seguida a tais acontecimentos, a coligação ‘Morada Nova de Coração’ impugnou os DRAP’s das demais agremiações (cada coligação e partido), além dos RCCI dos candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereadores, o que gerou mais de 80 processos à Justiça Eleitoral. A base das ações, no que diz respeito aos DRAP’s, foi a ‘intempestividade’ – ou seja, feito após decorrido o prazo legal – quando de suas apresentações pelas coligações e partidos; o pedido de indeferimento dos RRCI’s também se ampara na intempestividade da apresentação dos DRAP’s pelos partido/coligação, uma vez que não há possibilidade de registro individual (ou coletivo) diante da omissão absoluta do partido ou coligação.

Em 30 de julho, o Juiz Titular da 47ª Zona Eleitoral, Felipe Augusto Rola Pergentino Maia, indeferiu os pedidos de registros dos DRAP’s das coligações ‘Pra Crescer Ainda Mais’, ‘União por Morada Nova’ e ‘Morada Nova de Futuro’. A cada sentença, o magistrado cita posicionamento do Ministério Público Eleitoral – que, acatando a intempestividade como fato, opinou pelo indeferimento dos DRAP’s. O douto Juiz pontuou que a norma constante do Art. 23 da Resolução TSE 23.373/2011 não se aplica a partidos e coligações que tenham perdido o prazo previsto no Art. 21 – isto é, “que não tenham manifestado, perante a Justiça Eleitoral, tempestiva e validamente, com a documentação exigida, o desejo de participar do processo democrático de escolha de representantes.” E arremata: “A regra é destinada aos candidatos que eventualmente não tenham sido incluídos ou não constem da relação do pedido coletivo de candidaturas, pressupondo, portanto, outra postura do partido ou da coligação, e não a absoluta inação”.

O Juiz Eleitoral expôs utilizando do princípio da isonomia, que restaria ferido se fosse dado a uma agremiação política o direito de apresentar documentos fora do prazo estipulado, quando outra cumpriu com as exigências legais. Em suas palavras, tal atitude da Justiça em “admitir-se a prorrogação do prazo (...) somente provocam o procedimento de registro em caso mais dilatado, com nítido privilégio que não pode ser tolerado”. Em argumento de competente jurisprudência, destaca: “A apresentação da documentação fora do prazo é falha insanável. A desorganização do recorrente durante a realização de suas convenções partidárias, bem como da apresentação da documentação à Justiça Eleitoral, não pode ser acatada como causa justificadora da intempestividade.” E, não tendo sido invocada nem comprovada justa causa para o atraso nas apresentações dos documentos, finalizou as sentenças julgando procedente a impugnação e declarando cada coligação inabilitada a lançar candidatos a qualquer cargo no pleito municipal de 2012.

Os indeferimentos dos DRAP’s dos partidos componentes das coligações, datados de 29 de julho, acompanharam o raciocínio anteriormente exposto – de resto, cumprindo princípio de analogia entre as coligações e os partidos que as compunham e aplicando regras de coerência, inclusive quando se fortalece no parecer do Ministério Público Eleitoral. A única diferença aconteceu quanto ao desenrolar do corpo da sentença que se refere à impugnação do Partido Democrático Trabalhista – PDT. A agremiação, supostamente componente da coligação ‘Pra Crescer Ainda Mais’, apresentou pretensa anulação, pelo Diretório Estadual, de Convenção Municipal, e peticionou validação de nova Convenção Partidária, realizada em 4 de julho último, o que teria causado atraso na apresentação dos documentos exigidos. Em virtude de falta de provas nos autos e em atenção à Lei N° 9.504, de 30 de setembro de 1997, o Magistrado pugnou pelo não reconhecimento da anulação do ato partidário; assim, validando a reunião acontecida no prazo legal, a base de indeferimento do DRAP do PDT também foi a intempestividade na apresentação dos pedidos de registros de candidaturas.

Da mesma forma foram indeferidos, em 1 de agosto do corrente, os RRCI’s impugnados: na sentença legal “os RRCI’s são dependentes da publicação dos editais, e estes, por sua vez, dependem da apresentação tempestiva do pedido de registro de candidatura pelos partidos/coligações”. E continua, afirmando destacadamente: “não existindo pedido algum apto a deflagrar face de registro de candidaturas, não há que se falar em edital, tampouco em registros individuais, uma vez que estes dependem da publicação daqueles”. Uma vez que o sistema eleitoral brasileiro não acata candidaturas isoladas ou avulsas, isto é, sem prévia representação partidária, e não havendo justa causa ao atraso de apresentação dos pedidos pelos partidos e coligações, indeferiu cada Requerimento de Registro de Candidatura Individual, no total de 60 candidatos a vereador, 2 candidatos a prefeito e 2 candidatos a vice-prefeito.

Não há que se julgar mérito: perda de prazo constante em regulamento é matéria clara e objetiva. Por sua vez, os candidatos impugnados não apresentaram defesa à impugnação no prazo legal. Tal conformação gera controvérsias inclusive sobre possibilidade de acolhimento de recurso por parte de instância superior.

Após 30 anos de regime de exceção, a Constituição Federal de 1988 amparou os direitos políticos no capítulo IV (arts. 14 a 16); mesmo durante a Ditadura, os processos eletivos de cunho partidário já se incluíam na Lei Nº 4.737, de 15 de julho de 1965, que instituiu o Código Eleitoral e contem normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos, principalmente os de votar e ser votado. A Lei Nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, dispõe sobre partidos políticos, legitima-os e regulamenta-os; a Lei n° 9.504, conhecida como Lei das Eleições, estabelece normas gerais para os pleitos nacionais, estaduais e municipais; quanto ao pleito municipal de 2012, há Instrução e Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral disponível em www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2012/normas-e-documentacoes-eleicoes-2012, desde um ano antes do início do processo eleitoral vigente, e acessível a todos os cidadãos brasileiros interessados em compreender e participar das Eleições 2012, seja como eleitor, seja como candidato.

Apesar da maioria dos radialistas atuantes em Morada Nova – entre outros formadores de opinião, notadamente os militantes das coligações indeferidas – declarar, em alto e bom som, que a decisão da Justiça de nada vale, vivemos num Estado Democrático de Direito: é o que dizem nossas leis e a maioria de nossas práticas – não sendo caso instigar discussão acerca da democracia plena e absoluta, pois seria conversa – e praxis! – para mais de século.

No caso apresentado, o que deve ser motivo de preocupação e revolta é outro fato: o atual grupo gestor do Município, formado por integrantes da (indeferida) coligação ‘Pra Crescer Ainda Mais’, assim como o grupo de pessoas com pretensões a gerenciar o Município – seja da (idem) coligação ‘União por Morada Nova’ ou os participantes da (ibidem) coligação ‘Morada Nova de Futuro’ – demonstraram ineficácia, ineficiência, desorganização e irresponsabilidade para assegurarem minimamente seu direito de participação no pleito municipal de 2012.

Fica uma séria questão: como pessoas com tais qualificações teriam competência e respaldo para gerenciar Morada Nova?

Afinal, dar um tiro no próprio pé nem pode ser considerado tentativa involuntária de suicídio!

Gina Girão
Enviado por Gina Girão em 04/08/2012
Reeditado em 09/08/2012
Código do texto: T3813370
Classificação de conteúdo: seguro
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