O ajudante de Cristo

Eleomar é um cabra arretado. Arretado e brabo. O cabo de seu Taurus 38 tem 13 marcas feitas com canivete. Marcas que contam as pessoas que ele promoveu a defunto.

Eleomar matou pela primeira vez “em defesa da honra de sua irmã” (ele nem desconfiava que sua irmã era mais furada do que tábua de pirulitos); o segundo, uma briga com um vizinho que teimava em invadir as suas terras (na verdade, as terras pertenciam ao vizinho; Eleomar era o invasor); o terceiro, um desafeto que militava num partido político opositor ao seu; o quarto, ele nem se lembra (mas garante que tinha razão); as mortes de número cinco até a de número treze foram consumadas por força do hábito. Eleomar sentia prazer ao ver um corpo cair.

O matador dava provas de lealdade pondo sua arma à disposição de pessoas de seu relacionamento: “Olha, parente, sou seu amigo e gosto muito de você. Se você tiver alguém lhe perturbando a vida, diga quem é que eu dou um jeito. Pode deixar que eu me encarrego de criar a raiva pelo fela-da-puta!”

Dos sessenta e sete anos de vida, Eleomar passou quarenta e um em colônias de férias penais. Ele até estranha a liberdade e não se acostuma mais à vida fora dos muros.

Hoje, o pistoleiro está mais calminho e dedica-se à horticultura e à criação de animais na Penitenciária Estadual, onde cumpre pena pelos últimos dois passaportes concedidos a desafetos. Passaportes para o além.

Devido ao seu passado de crimes, Eleomar é muito respeitado pelos seus colegas de cativeiro.

Domingo, dia de visitas, é uma verdadeira festa na Penitenciária Agrícola: pais, filhos, companheiros, parentes e amigos vão tentar amenizar o sofrimento dos reclusos nas fétidas alas do caótico sistema carcerário. Pastores evangélicos aproveitam para levar a palavra de Cristo aos desafortunados.

Diácono Hermenegildo, naquele ambiente, dedica-se às almas mais pecadoras: aquelas que praticaram os crimes mais frios, sangrentos e fúteis. Hoje, domingo, o seu objetivo era Eleomar: levaria o evangelho ao desafortunado e convertê-lo-ia às coisas de Deus. Aproximou-se de uma rodada de dominó, esperou o término da partida, abriu o Livro Sagrado e, dirigindo-se ao pecador-alvo, derramou o verbo. Falou, citou, e orou enquanto Eleomar, cabeça baixa, aparava as unhas com seu afiado canivete.

O pastor, incomodado com o aparente descaso daquela ovelha desgarrada, resolveu ser mais incisivo para atingir o coração da alma perdida:

- Meu filho, Deus está pronto a perdoar os que se arrependem. Não há falta que o Senhor não perdoe dentro da Sua infinita sabedoria e bondade. Arrependa-se de seus pecados e trilhe o caminho da fé. Alie-se a nós. Juntos, nós poderemos fazer muito por Nosso Senhor Jesus Cristo!

Eleomar fechou o canivete, guardou-o no bolso traseiro da calça, levantou a vista e, olhando no fundo dos olhos do apanhador de almas, retorquiu:

- Pastor, eu não sei o que o senhor tem feito pelo reino dos céus... Eu, pelo meu lado, tenho certeza que eu fiz mais por Cristo do que o senhor com as suas pregações...

- Não entendi, meu filho...

- É o seguinte, pastor: eu não sei quantas almas o senhor conseguiu para o reino de Deus. Eu, sem muito esforço, já mandei umas treze pra Jesus, o filho de Deus.

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Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 15/02/2007
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