VINGUEI THAMARA

Não sei se alguns seres humanos têm carência afetiva ou se têm necessidade de conversar fiado mesmo; o que eu sei é que conheço um monte de gente que resolve esses problemas usando nas orelhas um aparelho, que nada mais é que a evolução daquele que foi inventado por Graham Bell e aprimorado por Heirinch Hertz, em 1888, quando este fez a primeira transmissão de códigos pelo ar.

Refiro aos celulares, aqueles mesmos que meus alunos e minhas “secretárias do lar” não largam, pois suponho que devam ter muitos amigos para saudar ou muitos assuntos para colocar em dia. Imagino isso, porque não raramente eu os pego atendendo, fazendo chamados e/ou enviando mensagens.

Antigamente eu achava que se eu perguntasse a Freud a razão desse fenômeno, ele me diria que se tratava de complexo de pobre que queria parecer rico, mas hoje, quando até os gatos e cachorros os têm, então deve ser mesmo uma das duas hipóteses anunciadas no primeiro parágrafo.

Para ilustrar o que digo a respeito do uso indevido do celular, relato um fato acontecido comigo recentemente. Certa manhã, encontrei 42 ligações perdidas em meu celular. Ao verificar o prefixo diferente, 73, busquei identificá-lo por meio do Google e descobri que de Teixeira de Freitas. Imediatamente lembrei-me de Cirlene, uma amiga querida que por lá reside, a quem não vejo há mais de ano. Na última vez que estivemos juntas, ela me falou que encontrara o grande amor de sua vida, em um voo para o Brasil, quando retornava de um curso de línguas que fizera em Harvard, USA. Talvez ela estivesse apenas querendo contar-me as novidades, ou quem sabe, convidar-me para o casório.

Diante de 42 ligações, não titubeei, liguei animada e de imediato atendeu-me uma voz masculina jovem com sotaque baiano: “Oh, Thamara, que bom que você me retornou. É o Ismael, minha bichinha. Liguei tanto para você, minha flor. Não tenho nem comido nem bebido, só pensando em você, formosura. Estava morrendo de saudades, minha rainha! Você ainda está com raiva de mim, tá?”

Sem entender nada, mas disposta a ser útil para resolver o engano, eu pacientemente, disse-lhe meu nome, expliquei-lhe que eu residia em Linhares, que eu era casada, tinha dois filhos, era uma professora... informei-lhe que eu não conhecia ninguém com o número de celular parecido com o meu e que a única Thamara que eu conhecia era a filha de Beto e da Pretinha, mas que aquela residia em São Paulo.

Não adiantou, o cara começou a “choramingar” e a dizer: “ Oh, Thamara, minha linda, não faz isso comigo, não. Não faz de conta que não me conhece não. Tudo para me castigar? Precisava ter fugido para o Rio de Janeiro? Só porque causa daqueles tapinhas de amor que eu lhe dei? Você gemeu tão bonitinho quando eu lhe segurei pelos cabelos e lhe dei aqueles dois tabefes nesse rostinho fofo...”

Rio de janeiro? Tapinhas de amor? Tabefes na cara? Jesuuus! Que cheirinho de caso digno de aplicação da Lei Maria da Penha! Além de patife o sujeito era mais do que lesado, porque confundir a voz de uma jovem com a de uma velha senhora, e achar que o prefixo do Espírito Santo, 027, é o mesmo do Rio de Janeiro, 021, requer que o cidadão seja sonso e burro também.

Fiquei indignada e resolvi mentir “É verdade, Ismael! Eu sou a Thamara sim. Sabe o que eu vim fazer aqui no Rio de Janeiro? Vim bater um papo com uns amiguinhos meus do Complexo do Alemão e pedir indicação sobre alguém que possa lhe ensinar que quem tem coragem de bater em mulher merece mais que tiro no pé. JÁ CONSEGUI E É SÓ AGUARDAR AÍ!”

Devo ter tocado terror, porque quando eu acabei de falar, a ligação misteriosamente caiu e acredita que nunca mais o Ismael voltou a ligar?

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 09/08/2012
Código do texto: T3821566
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