TEMPOS DE RECORDAÇÕES...

Pois é, amigo velho (ou será velho amigo?), as lembranças nos chegam à medida que o nosso cotidiano nos aproxima do nosso pensar - através daquilo que já nos aconteceu ou que, pelo menos, imaginamos que fosse acontecer. Aliás, observar as futilidades humanas é um prato cheio nos dias de hoje. Basta apenas querer ver. Como bem disse você, até no gole de um café, enquanto descansa-se de uma enxurrada de pseudo-intelectuais, vemos a arrogância e o descaso sendo praticados sem medo de uma mea culpa das línguas escarninhas. No nosso caso, da pena implacável do cronista.

Sim, de fato, o nosso encontro se deu numa dessas esquinas da vida. Melhor dizendo, na esquina que delimita os passos de quem vai para a esquerda, à procura do café e os passos da direita, que encaminham quem está se dirigindo ao banco (eu continuo aquele cara que você viu pela primeira vez: compenetrado, com cara de quem devia ao banco. Devo lhe confessar uma coisa: continuo devendo). Esse foi o nosso ponto: esquina da Narciso (e não do Narciso, pois se assim fosse, a autoadmiração seria a marca registrada de quem passasse por lá). Assim, entre motoboys e carros de fretes, a saudação, como sempre, é a mesma quando nos vemos: grande... !!! (dos dois lados).

Enquanto você me pergunta se eu vou escrever “esta semana”, eu, agoniado com tantos afazeres, peço-lhe socorro e digo: escreva você “esta semana”. E vejo, em você, um sorriso (logo após o meu) do tamanho da ironia que eu lhe quis passar. Conheço-lhe e sei que é nas entrelinhas da frase que eu consigo “atiçar” a sua verve escrita.

E qual não foi o tamanho da minha surpresa, no domingo pela manhã, quando o gazeteiro me trouxe o jornal A GAZETA DO OESTE, ao ler, na coluna que normalmente escrevo, a crônica “Matéria de Poesia”, de sua autoria. Quero lhe dizer que esperava, sinceramente, uma crônica que falasse somente do nosso breve encontro em uma esquina. O palco seria aquele toldo que cobre o local onde se estacionam as motos. Os atores seriam os nobres pilotos e motoristas de alternativos e, a plateia, nós mesmos.

Mas, meu amigo, conhecendo um pouco esse lado crítico e mordaz de escritor, que você carrega, o mínimo que eu deveria esperar era uma crônica que falasse sobre vários elementos simbióticos de nossa contemporaneidade. Desta forma, você me trouxe à reflexão um "belo exemplo" de como a nossa educação é desvalorizada (não pelo que se apresenta a ela, mas pela forma como não se dá a devida atenção ao que se faz com ela), pois o mesmo trabalho que fizemos (por sinal, um trabalho de pesquisa riquíssimo sobre um dos maiores empreendedores de nossa cidade), foi apresentado, nos períodos seguintes, sem que os catedráticos das disciplinas tenham percebido “as semelhanças” – isto se repetiu por mais de dez vezes. Hoje, quando o meu lado educador fala mais alto, percebo o porquê dos trabalhos pesquisados na internet, via Wikipédia, tirarem tantos “dez”: control C, control V e a aquiescência de quem ainda não domina essa ferramenta tecnológica. Não todos, claro! Apenas uma minoria.

Eu não me vejo, caro e dileto amigo, com toda sinceridade, encubando massa encefálica para produzir um orgasmo textual, como muitos tentam e, acredito, falham, sem nenhuma ereção criativa, no final da primeira linha. Na verdade, mestre, eu apenas escrevo – como você – aquilo que é passível de ser realizado com palavras simples, porém, nem sempre diretas – admito (com a metáfora expressamo-nos melhor, para quem entende, do que com a prolixidade medíocre de quem se imagina grande) –, mas com a naturalidade de quem vê um acontecimento do mundo visível, que é repetido tantas vezes, mas continua fascinando sempre que acontece. Penso que escrever é isso.

Se eu consigo fascinar com as palavras? Melhor responder que me fascina o ato de escrever em si. Deste ato solitário, poeticamente – seja em prosa ou em verso, capaz de nos levar a vários universos e embalar sonhos que, salvo as exceções, terminam por agradar aos leitores dominicais, não quero os louros da vitória. Quero apenas, como disse, poeticamente, relembrar em rabiscos, tempos em que andar, lado a lado – eu e você –, pelos corredores da universidade, dava prazer. Tempos em que tomar um café lá em dona Marileide era, verdadeiramente, uma aula de semiótica, dada a diversidade de signos existentes ali. Como bem disse você, em cada face, em cada expressão, o sonho e o tempo estampados no ir e vir de todos eles. Até em nós também. Com uma diferença: os “novos ricos” se misturavam aos menos abastados para poderem adquirir aquilo que o dinheiro não compra: conhecimento e, mais na frente, saber (para toda regra há exceção – tanto de armazenamento cognitivo, quanto de ordem conceitual).

Por fim, devo lhe dizer que tenho orgulho de ter sido descoberto, literariamente, por você. Aí sim, o texto estava encubado, pronto para ser digerido por quem gosta de coisas simples, aleatórias; por quem interage e, ao mesmo tempo, reflexiona o seu pensar, dando uma nova interpretação àquilo que acabou de ler. Você fez a sua releitura e me proporcionou, nesses quase oito anos de Gazeta, várias visões, outras tantas saudações e, o melhor: continua inventando, a cada dia que passa, coisas para fugir da morte... 
 









Obs. Crônica em resposta à peróla escrita pelo jornalista Mário Gérson domingo passado (05/08/12), no jornal GAZETA DO OESTE (Foto: Mário Gérson e Raimundo Antonio).
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 12/08/2012
Reeditado em 21/04/2019
Código do texto: T3826458
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