O poker da vida

Este desabafo poderia ser redigido em verso, estando as cartas na mesa, porém viradas, escondidas pela introspecção do eu lírico. Está em prosa, não por uma necessidade de expor as cartas aos outros jogadores, porém por uma necessidade do protagonista as ver, sendo que nas mãos, posicionadas com a flexão dos braços e a prudência para que os outros não as vejam, acabam por deixar mesmo com que ninguém espie, contudo ninguém, sequer quem as deveria observar, analisar e continuar o jogo; sequer, pois, o próprio jogador. Bom, eis que esse se encontra ao chão, sem estratégias, sentimentos confusos, um verdadeiro cego jogado à perversidade que acaba por se tornar o poker da vida, o que deveria ser um entretenimento com um final póstumo desconhecido, um jogo de diversão, parece cada vez mais consubstanciar-se no blefe malicioso e na vontade mais de vencer, do que de jogar.

Companheiros de mesa em quem não mais posso confiar, decepções, as próprias pessoas que me colocaram no jogo, parecem demonstrar e doutrinar cada vez mais esse blefe mal intencionado. A inocência do jogo, do jogar pela vontade de jogar, parece sumirem. O foco das estratégias está no vencer, no deglutir as apostas alheias.

Paro no meio do jogo, para descansar os braços, pôr as cartas na mesa – consoante estou fazendo – e deixar a cadeira de lado, a cadeira que tanto parecem querer tirá-la de mim, estou sentado no chão, o lugar onde mais sinto ser meu lugar no momento. Descadeirado, olhando para cima, a distante mesa não se faz vista, esquecendo o jogo, os companheiros, os doutrinadores, simplesmente contemplo agora o momento que desmoraliza todo o poker.

Penso que gosto de jogar, contudo não suporto a jogabilidade, a necessidade acima de tudo da vitória, afinal esta vida é só um jogo, por qual razão as pessoas insistem em se importar tanto? Em ter um blefe maldoso, ao invés de um blefe inocente? Por que não jogam mais pela vontade de jogar do que de vencer? Creio e tentarei crer que a vitória é mera consequência, que se deve buscar jogar bem, como entretenimento, que vencer é apenas resultado, e não objetivo. Agora é hora de se levantar, espreguiçar, apanhar a cadeira, sentar, apanhar as cartas da mesa e esperar a nova partida começar.