A casa

A casa, situada a mais ou menos um quilômetro do perímetro urbano, era modesta. Os quatro quartos, a varanda em forma de “L” na área dos fundos, a sala, a cozinha, a dispensa e o quintal enorme, foram construídos com o dinheiro que papai levantou com a venda de suas seis vacas, os únicos bens que possuía. Até então, morávamos em casas alugadas. Até ali havíamos morado em lugares que somente o nome e a nossa presença lembrava uma verdadeira casa. Em algumas delas dormíamos ouvindo os ratos em seu trânsito ruidoso e nojento pelos caibros.

Meu pai, homem interiorano, de hábitos simples, resolveu construir nossa casa fora do ambiente urbano. Amante do sossego da vida rural quis continuar usufruindo disso morando um pouco afastado do centro, apesar da nossa cidade ser muito pequena e quieta.

No quintal mamãe fez um galinheiro numa parte, e na outra, fez uma bela chácara onde plantou uma variedade de hortaliças e frutas. Tudo adubado com esterco, nada de fertilizantes industrializados, não tínhamos dinheiro para adquiri-los. Então usávamos esse tipo de adubo por absoluta necessidade, pois ainda não tinha virado moda o uso de fertilizantes orgânicos.

No espaço entre as varandas em forma de “L” papai mandou cimentar. Ali todas as noites, principalmente nas de lua cheia, colocávamos esteiras e todos se deitavam. Um dos programas noturnos da família era ficar ouvindo o rádio. Não tínhamos TV e, além disso, ainda que tivéssemos não adiantaria, pois, a cidade naquela época, não recebia sinal de TV. Então ficávamos ali ouvindo músicas até altas horas. Outra opção era ouvir as histórias e as “estórias” que papai e a mamãe se dispunham a contar. Muitos desses casos eram fatos da vida pessoal deles. Memórias de seu tempo de infância e juventude vividas na zona rural. Alguns muito engraçados outros tristes, trágicos até. Retratavam, porém, a vida, esse tecido cheio de comicidade e exuberância que não nos poupa de seus trechos inevitáveis de tragédia e dor.

Nós ouvíamos com avidez essas histórias afinal faziam parte do cabedal cultural de nossos antepassados. Eram nossas raízes. Aquelas histórias nos comunicavam um senso de origem. Diziam-nos de onde viéramos. Éramos, então invadidos por uma sensação de pertencimento a um lugar e a outras pessoas, não estávamos soltos no mundo. Ficávamos sabendo assim, que se a vida se tornasse muito dura era possível voltarmos para um lugar onde seríamos acolhidos e teríamos o espaço e o tempo necessários para um recomeço.

Sob a luz prateada da lua o som do rádio, ou da voz de meus pais, misturava-se aos sons misteriosos da noite. Grilos, sapos, pássaros noturnos, compunham a sinfonia que embalava nossos sonhos infantis enquanto uma brisa fria soprava suavemente produzindo um balanço preguiçoso nos galhos da faveleira que ficava ao lado da casa. Quando todos dormiam, então, meu pai nos apanhava nos braços e carregava os cinco até a cama.

Acordávamos vendo os raios do sol que se infiltravam tímidos pelas frestas do telhado. Aquela luz dourada enchia meu coração de esperança e me transmitia sempre uma sensação de segurança, um conforto interior. De algum modo aquela luz me enchia a vida e me trazia um senso de plenitude que eu não sabia explicar. Por esse tempo tinha meus olhos voltados para o horizonte da vida com uma grande certeza de que de lá, do futuro, só viriam coisas boas. A vida, nunca a morte; a alegria, nunca a tristeza; a saúde, nunca a doença... A certeza, desfeita pelo tempo e pelas exigências da vida, de que nunca iríamos nos separar, de que sempre estaríamos juntos no amparo das paredes, portas e telhado daquela casa.