Um provável final para um possível romance

Nada me causou mais espanto em todos os trinta e sete anos do que encontrar ali o bordado em seu vestido, prontos para quem sabe, um novo enlace. Olhei, estreitei os olhos tentando despistar a miopia e não havia dúvidas. Ela vendera, impiedosamente, o vestido de noiva com o qual se casou comigo e mesmo escrevendo os versos mais tristes isso não vai mudar. Não permitirei que desista mulher minha.

Não permitirei que vá embora. Encontrei um vestido de noiva num brechó, comprei e vamos nos casar. Seremos felizes, não teremos filhos por que já tivemos os nossos antes. Nós nunca mais brigaremos tanto, um pouco apenas. Você estará tão linda no dia do casamento, no seu vestido branco de cetim e bordados de miçangas ponto a ponto.

Pensando sobre a renda bordada do vestido de noiva. Este é um delicado bordado para um vestido de noiva que aos oitenta anos não é tão fácil de admirar como seria aos trinta e sete. Um vestido de noiva num cabide de um brechó é poético. Poético. Um vestido de noiva na arara de um brechó diz que alguém foi feliz, foi triste e por fim limpou suas gavetas para um novo amor.

Posso escrever os versos mais tristes sobre este vestido de noiva sem um corpo que o complete. Ali inerte no seu estilo bolo bordado miçanga por miçanga. Ponto a ponto por que um casamento se inicia muito antes do ritual. O ritual é o final, a finalidade, a finalidade do amor. Quem se casa não é a noiva, mas o vestido bordado de amor.

Posso também escrever os versos mais tristes sobre este casadoiro amor, mas não, quero a emoção de tocar o bordado num vestido de noiva. Penetrar a sua delicadeza com este olhar triste e retornar com algo. Algo de pureza superior. Intocável, inominável, algo que nos aproxime e nos separe. Escrever sobre o bordado de um vestido de noiva é também um paradoxo.

Posso estar querendo demais esta noite, mas não posso mesmo é querer “de menos”. Esta noite em especial quero passear os dedos no bordado do vestido de noiva e pensar sobre este amor casadoiro bordado naquela arara de brechó. Clientes passam por ele, tocam e vão embora. A certeza de que o amor acaba é mais poderosa que sua própria negação e entra em suas retinas como um raio ao se depararem com aquela prova irrefutável de sua verdade absoluta. Por mais casadoiro que seja o amor acaba. O vestido bordado, despojo da guerra que travamos para que o amor não nos escape azougue através dos dedos fica, atravancando a paisagem. Não importa que o encarceremos nas gavetas, nos quartinhos sujos no fundo dos quintais, no fundo de baús, no fundo de nossos corações partidos. O bordado é a prova e a testemunha ocular de todos os fatos nus e crus que nos afligem a lembrança.

A lembrança do cheiro de cafezinho fresco na casa daquela costureira durantes as provas meses a fio para que se ajustasse o traje perfeitamente ao corpo que o completaria em um único encontro. O beijo de despedida da mãe no check in do aeroporto, as lágrimas do irmão mais moço, sempre pedacinhos que reafirmam em um momento a existência do amor. O bordado, no entanto afirma a existência do amor e ao ser enviado sem constrangimentos para um brechó reafirma inexoravelmente, o seu fim.

Doce senhorita não se incomode, pois comprei um vestido de noiva e nos casaremos num brechó. Não há um lugar em todo este insulso texto que caiba melhor este nosso casadoiro amor do que ali. Cale-se este poeta esquecido por seu amor em um brechó de poetas ultrapassados. Nós seremos felizes. Empoleirados entre ternos de tricô do século passado e jovens mini saias desfilaremos nostalgia, ele dirá, por nossos cabelos mais longos e pelas figuras mais esguias que nos olhavam do espelho em nossa primeira tentativa. Éramos jovens, doce senhorita! Não se incomode, pois isso também, eu não me importo. Este poeta não pode ver além de suas verdades equivocadas. Apenas diga sim mais uma vez e para sempre.

Gauto
Enviado por Gauto em 21/08/2012
Código do texto: T3841855
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