Hoje, meu irmão Binho, faria 58 anos.Digo faria, pois ele nos deixou aos 11 anos. Morreu afogado, no dia 11 de janeiro de 1966, no Rio Sabará. Era uma segunda-feira. A gente tinha brigado no domingo. Briga comum de irmão. Estávamos de mal. Ele levantou-se cedo, como de costume, camisa riscadinha de amarelo e azul, calção azul, tomou café em silêncio, de pé, com broa de fubá, não trocou uma palavra comigo, saiu para o quintal, abriu o portão que dava pro Campo Guarani, atravessou o Campo e foi ver o rio cheio. Alguns de seus amigos já estavam lá: Gérson, Maurílio, Toninho... Minutos depois o Gérson veio gritando que ele caiu no rio e desapareceu. O barranco quebrou e ele foi junto. Não acredito nisso. Nunca acreditei. Binho era esperto, não iria se arriscar. Mas deixa pra lá. Meu pai tinha trabalhado à noite toda, de pernoite, ferroviário, saiu correndo desesperado para a beira do rio. Mas não chorava. Nunca o vi chorando. Minha mãe desmaiou. Minhas irmãs Sandra e Sílvia choravam. Eram bem pequenas, vinham depois do Binho. Eu sou o mais velho. Ronei tinha 03 anos, Sônia 02. Solange ( morreu no ano passado, em outubro), Rodson e Scheila ainda não tinham nascido. Foi o dia mais triste da minha vida. A casa se encheu de solidariedade, cuidados, orações, choros, carinho, amizade, preocupação. Procuraram por 05 dias. Vasculharam o Rio Sabará, o Rio das Velhas até a cidade de Santa Luzia e nada. Nunca acharam o corpo. Depois de cinco dias meu pai dispensou o Corpo de Bombeiros. Achou melhor.

 

A vida nunca mais foi a mesma, claro. Meu pai se tornou taciturno, incréu, passou a beber. Minha mãe perdeu o viço, a beleza, envelheceu. Apegou-se a religião mais ainda, o que muito a confortava. Não havia mais graça no quintal, nas peladas, na escola, nas brincadeiras de rua. A vida continuou. Um dia eu conto direitinho. Quando der vou falar do Binho. Ele era diferente. A dor que eu tenho, mesmo depois de tanto tempo, é a culpa de ter brigado com ele e a gente estar de mal naquele dia. Pois não nos cumprimentamos. Havia raiva entre nós. Isso dói muito até hoje. O que me conforta é o aprendizado ao longo da vida. E tomara que ele, Solange, meu pai, sô João Português, minha mãe, dona Detinha, estejam no céu cantando parabéns e comendo bolo de aniversário de chocolate, que ele adorava. Perdoe-me, Binho. Deus te abençoe. Parabéns.