Certidão de nascimento

Sol a pino, calor escaldante e a quietude típica dos mais pobres rincões deste país. Poucos os corajosos a se aventurar áquela hora na rua.

Um ou outro andando em busca de sombra de beirais.

Um jumento vagaroso arranca uns tufos secos de capim da beira de uma calçada.

Na sesta, alguns se balançam em redes sob alpendres.

O homem, com um menino na garupa de um burro magro, chega a passos lentos e toda aquela composição - homem, menino e jumento exala cansaço e pobreza. Ele lança olhares vagos, se informa diante de uma quitanda e já sabe que rumo tomar.

Puxa a fralda da camisa e seca o suor da testa. O garoto tem um aspecto desnutrido, macilento, com olhos grandes e alertas. Parece sem vida, mas os olhos dão vida à figura.

Se encaminham nesse mesmo passo pra uma rua mais a frente e chegam diante do cartório da cidade. O tabelião, se embalando numa cadeira de macarrão e com um maço de jornal velho à guisa de leque, olha irritado pra aqueles dois. Vieram perturbar seu sossego.

'Dia.

Aqui já é tarde. - responde com má-educação, nem se preocupando em esconder que não gostou daquela interrupção do seu descanso.

Moço, nós anda desna manhã, pra modo que a fessora diz que o minino carece certidão.

Ah... qual menino?

Ei, Juca, apeia pra o doutô sabê...

O garoto desce e sua arquitetura parece um milagre de cálculo estrutural. Embora tenha um bonito rosto com surprendentes olhos vivazes, e um cabelo cheio e fino como de bebê, suas perninhas magras e arqueadas, não parecem suportar o peso da protuberante barriga, da qual pendem dois bracinhos finos como dois cambitos.

O tabelião se espanta, embora esteja acostumado a ver figuras assim. Pigarreia e volta os olhos pra o homem.

O senhor é o pai? Preciso da data e do lugar do nascimento do garoto.

Se encaminha pra mesa, pega o livro e olha disfarçado pra o garoto, enquanto se arruma pra cumprir seu oficio.

Sim, sô.

Quando o homem, puxando da camisa um saco plástico com uns papéis amarfanhados, de onde se via uma estropiada carteira de identidade, diz a data de nascimento do garoto, o tabelião não consegue se furtar a olhar de novo e se espanta que aquela minúscula criatura, já tenha dez anos.

Fica parado com a caneta no ar, pondera, olha pra o pai e solta esta:

Seu Antônio, em vez de uma certidão de nascimento, esse menino devia ter era uma escritura de terreno, porque ele já comeu tanta terra que isso aí é um terreno de 10x20.