DIÁRIO DE UM IMIGRANTE

DIÁRIO DE UM IMIGRANTE

“È feliz quem gosta de se lembrar de seus ancestrais, que fala com alegria de seus feitos e de sua grandeza e que, no final da bonita fila, vê colocado, silenciosamente, o seu próprio nome”

(Johann Wolfgang Von Goethe)

1 - 21/04/1858 - Sou Heinrich Gerheim, da Aldeia de Wildesheim, tenho 54 anos e com minha esposa Christiane e meus seis filhos, Heinrich, Philip, Peter, Margaretha, Jacob e Johann, estamos partindo do porto de Hamburgo, à bordo do Veleiro Tell, sob o comando do Capitão R.W.Kock. O navio parece ser forte e confiável e já testado por diversas viagens pelos mares afora. O total de passageiros da embarcação é de 235, todos alemães, como nós, de acordo com a lista em poder do capitão, datada de 05/ 04/ 1858. Nosso destino é a cidade do Rio de Janeiro, em cujo porto desembarcaremos, com a Graça de Deus, dentro de 35 dias aproximadamente, de acordo com os cálculos da Companhia.

Nossa moral está elevada, apesar dos receios de uma viagem tão longa e para o Brasil, País que desconhecemos, mas que esperamos lá chegar com saúde e nos estabelecermos na Colônia D. Pedro II, na cidade de Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais.

2 - Hoje é dia 28 de abril de 1858 e estou no porto de Hamburgo, norte da Alemanha, já à bordo do veleiro RHEIN, com minha família e mais 183 passageiros. Nosso destino é o Brasil, longe, muito longe, lá na América do Sul.

Meu nome é EMIL SCHRÖDER, sou agricultor, tenho 31 anos e me acompanham, minha esposa Maria ( 43 anos) e os filhos Heinrich e Christian (gêmeos com 14 anos), Carl (07 anos), Maria (06 anos), Dorothéa (03 anos e o bebê August (08 meses). Nossa Aldeia é Plön, pertencente a Holstein, lugarejo mais ao norte, não muito distante de Hamburgo e nossa viagem não durou tanto assim, por terra. Em um dia e meio, desde nossa saída de casa, já estávamos no porto, aguardando as formalidades de embarque. O capitão de nosso navio é o Sr. W. Boster, que já nos orientou de como nos portarmos à bordo e de sua experiência de viagens pelos mares do mundo. Estamos muito tensos, pois que o corre-corre foi demais. Mas, agora, uma lufada de vento estufou as velas e lá vamos nós, deslizando pelas tranqüilas águas do rio Elba em direção ao Mar do Norte e de lá, pelo longo Oceano Atlântico até ao porto do Rio de Janeiro, no Brasil, onde seremos encaminhados à uma Colônia, na cidade de Juiz de Fora, no Estado de Minas Gerais. É isso que nos informaram quando assinamos contrato com uma empresa brasileira, a Cia. União e Indústria.

"Que Deus nos ajude e nos acompanhe".

3 - ... Hoje é dia 15 de maio de 1858 e estou no Porto de Hamburgo com minha família. Sou Joseph KELMER e minha esposa Anna Bárbara e os filhos Joseph, Genoveva, Alois, Klara e Peter Paul. Somos Tiroleses da Aldeia de Volders. Juntamente com mais 280 passageiros, estamos por embarcar no Veleiro GUNDELA que sob o comando do Capitão Eikmann nos levará até ao Brasil.

Não sabemos quase nada sobre nosso destino, a Colônia D. Pedro II (nome dado para homenagear o Imperador brasileiro), somente nos informaram que é lá do outro lado do mundo e que o clima é bom, sem muitas alterações e que não teremos muitas dificuldades, já que o fundador da cidade onde está localizada a nossa Colônia é também um alemão, que se deu bem, lutando nas guerras brasileiras e se estabelecendo no local, casando-se com a filha de um fazendeiro ricaço.

Vejo que também dentre os viajantes, a família dos KIRCHMAIR também do Tyrol, da Aldeia de Weer está incluída com seus sete membros, Georg, o patriarca, viúvo e os filhos Andréas, Maria, Franz, Johann, Martin e o pequeno Georg.

Rezamos e esperamos que a nossa viagem seja boa e cheguemos ao nosso destino com boa saúde

4 - Hoje, 21 de maio de 1858, uma quinta-feira de sol forte primaveril (o inverno já se foi) estou à bordo do Veleiro GESSNER, no porto de Hamburgo. Sou JOHANN FRANK e estou com minha família, esposa Thekla e os filhos Johann, Martin, Theodor e Josepha, deixando a Alemanha. A situação estava se tornando cada dia mais difícil para todos nós. As oportunidades cada vez mais escassas em Oberscheidenshal (minha Aldeia) e arredores, na cidade de Baden. Os filhos crescendo e sem perspectivas para o futuro deles. Então, com pesar, mas com muita esperança de dias melhores estamos partindo em busca de melhores dias.

O capitão de nossa embarcação é o Sr. Lankenau, que nos levará através dos mares, com uma carga de 249 passageiros e mais a tripulação.

Vejo que também, dentre outras famílias, os DILLY, numerosa família de oito membros, de Gaubükelheim, aldeia da região do Hessen, estará conosco nessa longa viagem. Velas ao vento e lá vamos nós, com a Graça de Deus.

5 - Sou JoannesCLEMENS, tenho 43 anos de idade, sou casado com Anna Maria Stenner Clemens, também da mesma idade e fomos abençoados com nove filhos, Philipp, 19 anos (bisavô deste relator), Margaretha, 18, Mathias, 16, Markus, 14, Jacob, 11, Heinrich, 8, Anton e Johann, gêmeos de 04 e o pequeno Joseph com 09 meses de idade.

Saímos de nossa Aldeia, Blödesheim, lá no Hessen Darmstadt, onde morávamos, deixando tudo para trás, exceto nossas lembranças, que trazemos conosco. Estamos no Porto de Hamburgo, norte da Alemanha, aguardando ordem para embarcar no navio veleiro Osnabrück (que já está lá ao largo, ancorado nas águas frias do Rio Elba), neste belo dia 05 de junho de 1858.

Fomos contratados pelo Império Brasileiro, por intermédio de uma agência do Dr. F.Schmidt, de Hamburgo, que mandou seus funcionários por toda a Alemanha para falar sobre as vantagens da imigração para o Brasil. Ofereciam passagem subsidiada, (desde a casa do candidato até a nova casa na Colônia dos Alemães, na cidade de Juiz de Fora, Província de Minas Gerais, no Brasil) mais terras para plantar, sementes, ferramentas, acomodações e uma ajuda financeira por um ano. Tudo constando em um contrato escrito no idioma alemão e português que será assinado pelo candidato, Dr. Schmidt, o armador hamburguês Jacques Donati, o representante brasileiro da Companhia União e Indústria e o representante diplomático alemão.

Tudo certo e combinado, já assinada toda a documentação, bagagem toda arrumada em caixas e caixotes numerados e identificados com os nomes das famílias, só estamos aguardando nossa vez de subir na “chata”, uma pequena embarcação como uma prancha que vai rebocada até ao navio ao largo.

Já notei que também viajarão conosco o casal Roth, Valentim e Maria, da aldeia de Dromersheim, a família dos Haber, Anton, Bárbara, Joseph, Kaspar, Jacob e Juliane. Corajoso esse Anton: com 60 anos e a família criada, topar essa parada tão difícil. Também os Hauck, o casal Friedrich e Anna, ambos com 38 anos e mais cinco filhos, o menor deles com dois anos, a pequena Catharina.

Enfim, estaremos bem unidos nessa travessia dos mares, até ao porto do Rio de Janeiro, pois as famílias inscritas formam um contingente de 224 pessoas, mais o Capitão G. Lange e sua tripulação. Disseram para não temermos, pois já partiram dali, quatro veleiros antes de nós, todos de imigrantes alemães para a mesma Colônia, que soube tinha o nome de D.Pedro II, uma homenagem ao imperador brasileiro.

Antes de embarcar, pois ficaram para o fim, a família de Johannes Clemens, dando-se as mãos, rezaram e agradeceram pela oportunidade de uma nova vida num país tão distante, mas do qual ouviram maravilhas.

Pelo Rio Elba, em direção ao Mar do Norte, depois alcançando as águas do Oceano Atlântico haveriam de fazer uma boa viagem e chegaram ao destino, unidos, com saúde e prontos para começar de novo.

6 – Hoje, 25 de maio de 1858, uma sexta-feira de tempo nublado e uma fina chuva que teima em cair, molhando-nos a todos e as nossas bagagens. Estamos descendo pela rampa do navio veleiro TELL, no porto do Rio de Janeiro, no Brasil, que partiu lá da Alemanha, do porto de Hamburgo há exatos 34 dias. Lembram-se de mim? Sou o lavrador Heinrich GERHEIM, que com minha família, esposa e seis filhos viajamos na companhia de outras famílias de imigrantes alemães, a maioria do Estado de Hessen Darmstadt, inclusive os SCORALICK, da Aldeia de Hackenheim, com quem fizemos amizade durante a travessia. Nicolaus, sua esposa Juliane, os filhos Ferdinand, Bárbara, Margaretha, Jacob, Anna Maria, Nicolaus, Balthasar e o bebê Nicolaus, de três meses de vida.

Também os ALBERT de Weisenau estavam conosco, o patriarca Anton, 48 anos, (agricultor) sua esposa Anna Maria de 39 e os filhos Kaspar, Jacob, Joseph e Anna Maria, de 9 anos de idade.

Apesar das grandes dificuldades de adaptação das pessoas às acomodações da embarcação, enjôos freqüentes e a febre tifo que atingiu grande parte dos imigrantes, causando dois óbitos, o que causou profunda consternação geral, sendo os corpos sepultados nas profundas águas do oceano Atlântico, após uma oração presidida pelo Capitão, pusemos os pés em terras brasileiras em boas condições de saúde.

Como o capitãoKock previra, o veleiro foi valente e suportou com galhardia as intempéries da viagem, vencendo a distância tão longa, com ventos favoráveis, no tempo previsto.

Agora somente nos resta aguardar a chegada da nossa bagagem e ordens de embarcar em direção ao nosso destino final, a Colônia Imperial D. Pedro II em Juiz de Fora, Minas Gerais.

7 – 25 de junho de 1858 chegou ao Rio de Janeiro o veleiro RHEIN que havia partido de Hamburgo dia 28 de abril, portanto viajou por 59 dias pelas águas dos oceanos, nem sempre amistosas. Sou EMIL SCHRÖDER que com minha família passamos por maus pedaços, mas, conhecemos muita gente boa nessa aventura, como os BERG, de Hockenheim, Michael e Anna e os filhos Jacob, Elisabeth, Kaspar, Wilhelmm, Phillip e Karl e mais a família KREUTSFELDT, Hans e Magdalena e os filhos Anna, Sophie, Christian, Johann e Maria, de Boksee, também do Holstein, que muito nos ajudaram e com os quais fizemos verdadeira amizade.

O capitão Boster e seus ajudantes já estavam em terra e tudo fazia para desembaraçar as malas e caixas dos seus passageiros. Ao final da tarde todos já estavam prontos para vistoria médica e tratamento para os mais necessitados, principalmente as criancinhas e os mais idosos.

8 – No dia 26 de julho de 1858 atracou no porto do Rio de Janeiro, depois de uma sofrida e talvez a mais longa viagem, desde o porto de Hamburgo, o Navio Veleiro GUNDELA. Sobre tal odisséia nos conta um dos passageiros, Alois Eiterer, de Untermeitingem, do Tirol, de 27 anos, que veio com sua mulher Kreszenz de 23 anos, e escreveu uma carta contando a viagem para seus amigos na Alemanha, publicada num jornal local:

- A viagem de Hamburgo até o Rio de Janeiro durou 76 dias. O navio Gundela transportava quase 300 passageiros. A comida era boa: arroz, feijão, alguns dias mesa livre de carnes defumadas, que naturalmente no princípio era um sucesso e um prazer. De manhã, café, à tarde sopa ou chá. Mas a água era muito ruim. Nos atormentavam as pulgas e assim também o aumento de temperatura e de repente um frio de 09 graus. O calor era de 29 graus à sombra e o enjôo que atingia a quase todos. Eu fiquei enjoado por três semanas e a maioria das crianças de um a doze anos. Enfim, um mês de bonança e tranqüilidade. Durante a crise morreram sete crianças e dois adultos, sendo que o primeiro óbito, de Johann Georg Steinletner, de 37 anos, se deu quase na linha do Equador e o último, de Jacob Larcher, (um menino de 5 anos) já em águas brasileiras, com o Pão de Açúcar à vista. Esse foi sepultado em terra firme.

9 – 29 de julho de 1858 foi o dia em que chegou ao Brasil o veleiro GESSNER , comandado pelo capitão Lankenau, numa viagem que durou 69 dias desde Hamburgo, na Alemanha. Sou Johann FRANK, patriarca da família, que muito sofreu com a perda do nosso Martin, de 13 anos, que faleceu em alto mar, durante a travessia. Foi acometido de uma febre tamanha, que não durou nem três dias e foi sepultado, como de praxe, nas águas profundas do Atlântico. Os membros da família Dilly, Conrad, 59 anos e sua esposa Catharina, 55 anos e os filhos Adam, 28, Valentim 25, Jacob 24, Anna Maria 21 e Ludwig 16 anos, foram os que mais nos reconfortaram naqueles momentos difíceis. Outros também tiveram perdas, mas, todos tiveram muito apoio e assistência das demais famílias que sofreram junto os momentos difíceis. Enfim, começaram a nos desembarcar e olhar firme no horizonte brasileiro era a ordem geral e uma promessa de uma nova vida no lugar para onde seriam encaminhados, na cidade de Juiz de Fora, Província de Minas Gerais.

10 - O último navio veleiro a desembarcar grande contingente de imigrantes no porto do Rio de Janeiro, foi o OSNABRÜCK, no dia 04 de agosto de 1858 e trazia à bordo, a família dos CLEMENS, além de inúmeras outras, como os ROTH – HABER, HAUCK, depois de 59 dias de navegação pelos mares europeus e sulamericanos.

O capitão Lange foi merecedor de grande ovação por parte dos passageiros, pela tranqüilidade e firmeza com que tratou sua tripulação, trazendo a embarcação até seu destino, apesar das intempéries por que passou.

Agora, como dizem ser praxe, ficaremos todos em quarentena na área do porto, visto as doenças porque padeceram grande parte dos imigrantes, que seriam medicados e após, enviados para seu destino final, a Colônia Imperial D. Pedro II em Juiz de Fora.

11 – As levas de imigrantes alemães, após passarem por uma quarentena no Porto do Rio de Janeiro, eram embarcados, com todas suas bagagens, para a cidade de Juiz de Fora, passando por Petrópolis, cidade que lhes era já bastante conhecida, por correspondências de amigos que anteriormente, anos antes para lá vieram, com o mesmo escopo de colonização.

Sobre essas passagens, nos conta o prezado Mestre Francisco de Vasconcelos, um Petropolitano, a quem devemos imensa gratidão, que garimpou no jornal O PARAYBA, que funcionou em Petrópolis de 02/12/1857 a dezembro de 1859, quando encerrou suas atividades. Vamos a duas reportagens:

O Parayba de nº 60 – 1º de julho de 1858:

Não há ainda um mês que a população de Petrópolis viu com júbilo seguirem seu destino, 232m colonos alemães de ambos os sexos, que a Cia.União e Indústria importara para a Colônia de D. Pedro II, que a mesma Companhia fundou nas imediações da cidade de Paraibuna.

Chegaram ultimamente de Hamburgo a bordo da Barca Rhein, mais 182 colonos alemães, também de ambos os sexos, para a mesma Companhia, segundo noticiamos em nosso último número (chegaram no sábado, 26 de junho, conforme “O Parayba” de 27 do mesmo mês, nº 59).

Esses colonos seguiram no dia 29 para a Colônia de D.Pedro II, isto é, no mesmo dia em que 13 anos antes subiram a serra com destino à Petrópolis os primeiros que vieram para a fundação desta florescente Colônia.

Vimo-los passar, promiscuamente em carroças, com rosto alegre e expansivo e um resto deles, ou por não terem condução, ou por assim o desejarem, seguiram à pé, quase em número de 100.

E como se tivessem advinhado que esse dia era aniversário da chegada a Petrópolis, dos seus compatriotas que os haviam precedido 13 anos antes, em sua imigração para o Brasil, percorreram toda a Rua do Imperador, cantarolando em coro, cantigas de sua terra, com bandeiras improvisadas, presas aos canos de espingardas de caça, com grandes ramos que cortavam pela estrada e que brandiam no ar, com satisfação íntima, que até a beleza da tarde contribuía para dar-lhes ao porem os pés no limiar de sua segunda Pátria.

Não seja nunca outra a sua disposição de ânimo nos lavores a que se destinam; e possa a sua feliz sorte chegar ao conhecimento dos seus compatriotas que procuram outras plagas menos hospitaleiras e persuadi-los assim a procurar espontaneamente o Brasil, onde tudo lhes promete e garante maior soma de bens, que lá onde escasseia o trabalho para tantos braços.”

O Parayba de nº 69 de 01/08/1858:

“ Passaram no dia 28, por Petrópolis, 160 colonos dos 290 que chegaram de Hamburgo para a Companhia União e Indústria e no dia 29 passou o resto, com destino, todos, à nova Colônia de Paraibuna.

Iam conversando alegremente entre si e pareciam contentes de terem emigrado para um País que em breve lhes proporcionará as vantagens que lhes faleciam em sua Pátria.

Não sabemos se por acaso ou de propósito, todas as vezes que têm passado por aqui os colonos importados pela Companhia União e Indústria, um grupo deles, mais ou menos numeroso, dispensando a condução em carroças segue sempre a pé cantando festivas canções pátrias.

Os que passaram no dia 29 assim foram também, com os chapéus ornados de flores e ramos verdes. Dir-se-ia que festejavam o 12º aniversário natalício da Princesa Imperial, assim como anteriormente festejaram os outros, o 13º aniversário da fundação da Colônia de Petrópolis”

12 – Já havíamos saído de Petrópolis pela manhã e caminhamos até à tardinha, bem devagar, degustando ainda os prazeres e emoções por que passamos, ao encontrarmos patrícios nossos nessa bela cidade do Rio de Janeiro, quando então fizemos a parada diária para o pernoite. Colocamos as carroças em círculo e ao meio acendemos a fogueira costumeira, onde preparávamos nossas refeições e nos sentávamos para as conversas noturnas. Um alvoroço se formara na carroça dos Petermann. A esposa, grávida e que estava nos “últimos dias” para o parto, se debatia em dores e as comadres já se revezavam nas toalhas e baldes de água quente. Mais um pouco e uma menininha nascia. Era a primeira brasileirinha a nascer na nova Pátria. Todos batiam palmas quando ela foi erguida pelas mãos do pai, apresentando-a aos companheiros de jornada. Certamente em homenagem ao Comendador Mariano Procópio, deram-lhe o nome de Marianna. A noite inteira foi de festa, com danças e vinho, tendo se esgotado um garrafão que haviam ganho em Petrópolis.

13 – Dia seguinte, pés na estrada, a cidade do Paraybuna, destino do grupo do veleiro Tell, ainda estava longe. Mais uma semana e já avistavam as casas da cidade, Pararam logo na entrada, se lavaram num riacho cristalino que desaguava no rio que dava o nome à cidade, se vestiram com suas melhores roupas e assim engalanados, os homens com suas espingardas em bandoleiras ao ombro, enfeitadas com bandeirinhas de suas origens e pequenos arbustos arrancados às margens da estrada, desfilaram garbosos, cantando canções de sua Alemanha longínqua que deixaram para trás.

A curiosidade era mútua, os pequenos, ao verem os escravos negros, queriam toca-los para ver se saia tinta e os citadinos por sua vez, queriam conferir se os protestantes luteranos realmente tinham chifres, mas, nem uns, nem outros puderam confirmar suas suspeitas; eram gente normais e de aparência bem salutar e amistosos.

A Cia. União e Indústria já havia construído um grande acampamento, nas imediações de uma fétida lagoa (proximidades da atual Igreja de São Roque – Av. dos Andradas) onde os colonos se alojaram à espera de seus lotes de terras.

Logo, logo, mais e mais imigrantes se juntavam aos primeiros e a situação estava se tornando perigosa.

A situação geral, de higiene e promiscuidade era quase insuportável. O número de colonos aumentava muito rapidamente e as terras ainda não haviam sido divididas, ocasionando um atraso grande na locação dos colonos.

Para piorar, um surto de febre amarela, que fizera perder muitas vidas durante a travessia dos oceanos, reaparecera entre aquele povo.

Um hospital de emergência foi construído logo acima do morro (defronte a atual Igreja da Glória) ao qual os colonos logo apelidaram de Krankenhof, ou seja Pátio das Doenças. Mais uma taxa de dezenas de mortos foi cobrada aos colonos alemães e os corpos foram sepultados nas imediações da lagoa, causando grande consternação tanto entre os colonos quanto aos habitantes de Juiz de Fora, que era assim chamada desde 1850, quando se emancipara da cidade de Barbacena.

14 - A Companhia União e Industria se esforçava ao máximo para entregar aos colonos que contratara na Alemanha, seus “prazos” ou terras e casas para habitações, conforme constava dos contratos assinados e avalizados pelo Império Brasileiro.

Enfim os “prazos” estavam demarcados e chamaram os representantes dos colonos para uma reunião e lá, foram sorteados os primeiros dez terrenos. O primeiro, prazo nº 1, da Nova Colônia Imperial D. Pedro II coube ao colono Friedrich Hauck e era localizado na Colônia de Baixo, atual bairro Borboleta, na atual Grota dos Lawall.

Pouco a pouco as famílias dos colonos foram deixando o grande acampamento e rumando para suas terras, onde a Companhia União e Indústria ainda lhes entregava um casal de porcos, um galo e duas galinhas, gatos e cachorros e ainda ferramentas para manutenção e mais um ano de víveres, mantimentos a serem retirados nos armazéns da Companhia, durante um ano. Pelo contrato somente começariam a pagar por tudo a partir do segundo ano de residência no “prazo”.

Enfim, alojados, os colonos iniciaram suas vidas nas terras brasileiras, sob um lema que aprenderam em sua terra natal e seguiam à risca, progredindo sempre: ORA, TRABALHA E DEUS AJUDA!

Hoje, decorridos 150 anos da chegada de nossos ancestrais, podemos agradecer com o coração repleto de amor e alegria, pelos belos exemplos de coragem, fé e trabalho, que os conduziram à utopia almejada: construir uma nova vida, numa nova terra, apesar da diferença de idioma, costumes e hábitos alimentares.

Enquanto os alemães de lá do outro lado do mundo continuavam a lutar em guerras constantes, os alemães de cá construíam e ajudavam a desenvolver o progresso de uma nova cidade que os acolhera afetuosamente e na qual se inseriram gradualmente, deixando suas marcas indelevelmente na história.

POR TUDO ISSO, DEMOS GRAÇAS A DEUS!

Vicente de Paulo Clemente – bisneto do imigrante Phillip Clemens.

VICENTE DE PAULO
Enviado por VICENTE DE PAULO em 27/08/2012
Código do texto: T3851512
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