O QUE É SER FELIZ
 
 
 
                    Em mil novecentos e cinqüenta e um meu pai alugou um casarão antigo mixto. Isto é: uma parte feita de “pau-a-pique” que consistia em armação de madeira fechada com barro e coberta com sapé e outra parte de alvenaria, ou seja: construída com tijolos e coberta com telhas comuns, tudo feito de barro (argila amarela). O piso era natural de saibro (argila com areia bem duro). Se não estou enganado tinha uns sete ou oito quartos, sala e cozinha todos enormes. O fogão era a lenha ou carvão, com taipa de ferro bem grande, onde os alimentos eram deixados todo o tempo para manter-se quente. A famosa casinha pra se tomar banho e fazer as necessidades fisiológicas ficava do lado de fora, no quintal da casa, a mais ou menos uns dez metros de distância. Por isso naquela época a maioria das casas, mesmos das pessoas consideradas ricas, tinha por perto ou debaixo da cama um pinico, ou seja: o famoso urinó. Muitas pessoas faziam até o número dois nos pinicos, principalmente em dias de chuva.
                    Tinha um quintal bem grande de meio alqueire, ou seja: uns doze mil metros quadrados.
                    Localizava-se na antiga estrada do telégrafo, hoje rodovia BR101 (Rio – Santos) exatamente no meio do trecho entre a Prainha Preta e a Praia Grande, no município de São Sebastião, litoral norte paulista. Era praticamente o fim da subida do pequeno morro existente. Ficava numa espécie de vale entre essa antiga estrada do telégrafo, e o pé do morro que divisava com o morro da caixa d’água de Itatinga, parte da Serra do Mar e Mata Atlântica.
                    Na época eu estava com cinco anos e alguns meses, não chegava há seis anos. Como lá vivi e cresci, lembro que o aluguel inicial era qualquer coisa em torno de cinqüenta mil reis, equivalente hoje a cinqüenta reais. Bem barato por sinal. Mas isso era por que os donos do imóvel contratavam o meu pai para trabalhar em suas roças.
                    Ali onde nós morávamos tudo o que plantávamos, todo animal que criávamos e os produtos deles derivados eram dividido meio-a-meio com os ditos proprietários.
                    Nesse espaço meu pai plantava e cultivava de tudo um pouco. Feijão, milho, mandioca, batata, tomate, alface, todos os tipos de hortaliças e cheiro verde; existiam frutas nativas como goiaba, araçás, pitanga abricós, mangas, cajás, fruta-pão, jabuticaba, cajus, jaca e uma infinidade de outras espécies.
                    E como não poderia deixar de ser, tínhamos nossos animais todos soltos pelas terras. Cavalos, éguas, vacas de leite, porcos, cabritos, perus, galinhas, galos, galinhas de Angola (no norte do Brasil conhecido como Guinés), patos, gansos, cachorros, gatos, coelhos, etc. E de quebra sempre apareciam tatus, capivaras, lontras, gato do mato, cachorro do mato, raposas, gambás e outros bichos. Pássaros então era uma loucura de tantos que viviam ali. Nos pés de aroeiras que existiam pela manhã e ao entardecer os sabiás faziam uma linda sinfonia.
                    Só pra elucidar essa crônica vou tentar lembrar algumas das espécies de pássaros que chegavam naturalmente no nosso quintal:
                    Sabiá Laranjeira, Sabiá Preta, Sabia do Barranco, Sabiá Coleira, Sabiá Branco, Sabiá Cachorro, Tié, Sanhaço, Tico-tico, Pardal, Canário da Terra, Canário do Reino, Araponga, Arara, Tucano, Bem-te-vi, Coleirinha, Tico-tico-saci, Anu, Maritaca, papagaio, Periquito, Rolinha, Andorinha.
                    O caro leitor amigo que certamente não teve esse privilégio nem pode imaginar como é viver toda infância, adolescência e juventude num paraíso como esse. Talvez por isso eu hoje, depois de mais de quarenta anos radicado na Grande São Paulo, consiga escrever todos os estilos de poemas, contos, prosas e textos tão diversificados. Amo a natureza como um todo.
                    A menos de quinhentos metros da nossa residência tinha do lado direito a Praia Grande com o seu mar calmo como uma piscina gigante, rodeada por costeiras lindas onde de longe se viam as espumas brancas das ondas que batiam. Da Praia Grande a gente enxergava bem ali perto a Praia do Gimbro, Praia das Pitangueiras e o bairro Cabelo Gordo. Do lado esquerdo incrustado entre dois pequenos morros tinha a Prainha Preta que era a verdadeira lagoa azul. O nome é porque não tem areia branca lá. Da beira da água até o Jundú, a areia está mais para um barro preto. Nessa praia até hoje podemos deixar uma criança de dois ou três anos brincar tranqüila. Praticamente não tem ondas. A não ser em dias de marés bravas e altas. Mas isso muito raramente acontecia. Hoje não sei bem como está.
                    A pesca era abundante. Nos meses de maio, junho, julho e agosto era o período das Tainhas gordas, Sardinhas, Carapaus, Perajicas; no verão as corvinas, robalos, Caranhas, Sororocas, Pescadas brancas, Peixe-Espada, Bicudos, Guaiús e outra infinidade de espécie. Bem perto, no bairro do Topo a gente caçava camarões, siris e mariscos.
                    Por tudo o que narrei nesta minha crônica, concluo sendo repetitivo e até peço perdão a todos por isso, pois “tenho plena consciência de que eu era, sou e serei feliz por toda minha vida e religiosamente agradecido a DEUS, NOSSO PAI CRIADOR”.
                    Amo o meu paraíso chamado SÃO SEBASTIÃO.








Nota do autor:

Vou acrescentar um detalhe que entendo ser de muia importância, até como curiosidade:
- Alguns dos jovens de menos de trinta anos de idade sabe o que é café de cana?
Certamente as pessoas de mais idades que viveram ou foram criados em sítios e fazendas saibam.
Ca´fé de cana nosso, lá dos caiçaras era feito diretamente com a garapa da cana; o pó produzido por nós mesmos em nosso quintal, colocado ao sol pra secar, depois torrado e socado no pilão. Nos meus tempos de criança só usavamos açucar quando estavamos na cidade.