QUARTO DE DESPEJO...

Nescessitando de uma panela bem grande, devido o alto número de convidados para uma galinhada, fui até o quarto de despejo, pois sabia que lá eu encontraria o panelão... resquicio de uma época em que minha casa era cheia, e viviamos a festejar.

Entrei, abri o vitrô e ví como se amontoa objetos no decorrer da vida.Incrivél como guardamos restos de aparelhos, fotos, máquinas, e muito outros trastes.

Ao procurar o panelão, ví uma caixa em que eu hávia escrito

"toca- discos". Aí, parei para tentar lembrar-me em que ano ele foi aposentado e alí colocado.

Abrindo a caixa deparo-me com ele, embrulhado em amarelados papéis. A seu lado uma pilha de discos de vinil. Lps, e até um de setenta e oito rotações! Certamente os resguardados do crime que cometi ao jogar tantos e tantos outros no lixo.

Olho para ele... e me recordo do seu som limpo e puro. Por que o encostamos? Porque já quase não se encontrava discos de vinil, a nova moda eram CDS...

Tirei-o da caixa. A fina agulha que dançava em circulos sôbre o prato negro, já "cantou" amores, tragédias, encontros e desencontros. A musica muitas vezes foi um bálsamo...

Arrisquei, e o coloquei na tomada.Ele iluminou-se. Havia nele mais do que funcionalidade.Acreditei que aquele aparelho tinha uma alma!

Coloquei um disco e a música quebrou o silêncio... Valsas de Straus... Maravilhosas valsas...O disco, um LP, traz a orquestra de André Kostilanetz e a dedicatória diz que foi presente de aniversário, quando completei vinte anos. Já se passaram quarenta e seis, e o som é maravilhoso!

Esta sensibilidade de criar uma melodia que traga para o outro um ensimesmar é um dom inefável. Talvez seja por isso que os anjos carreguem instrumentos em suas mãos...

A música, quando é composta com o coração, ultrapassa os limites da audição. Ela impregna-se na alma humana.

Sou de uma época em que a música vem para acarinhar, e não para incentivar arrastões de vulgaridade, que para mim são sustenidos de deselegancia. Não discuto o gosto musical de ninguém, mesmo por que, ao criar uma música ou cantarolá-la, cada um sabe o que o motiva.

Diante das constatações, limpei o toca-discos e coloquei-o de volta na caixa. Ele sabia de mim, talvez muito mais do que eu sabia dele. A agulha ainda estava lá, à espera de mais uma estória de amor, de mais uma nota para ser lida por ela...

Talvez seja isso o que acontece com tudo o que está no quarto de despejo...

Peguei o panelão e fui para a cozinha.