Da admiração canibalesca

Relatos antigos contam que, há não muito, índios canibais tinham como costume cozinhar e devorar seus rivais após derrotá-los em batalhas. Contudo, não seria qualquer uma a ter a vanglória de massagear o paladar do vitorioso com sua já definhada cutis. Era preciso ser forte. Ser forte e corajoso. Antropófago nenhum comeria carne indolente e boemia, afinal. Caso contrário, assim ficariam.

Enquanto no passado canibais gostavam, literamente, de se alimentar dos restos dos melhores humanos, no presente, dada a licença metafórica, a coisa não mudou.

A admiração traz consigo, por vezes, uma coisa obscura (que o diga o assassino de John Lennon). Claro, nem todas. Há admiraçoes com portes maternais louváveis. Não obstante, fácil é ver a borra da cobiça canibalesca no fundo da xícara do admirador.

A soma promíscua de não querer que o outro tenha, querer o que o outro tem e admirar enquanto ao outro pertencer, se transformado em energia, acabaria com usinas nucleares em questão de meses.

Ora, quem nunca ouviu ao menos um caso de alguém supostamente "amigo do casal" que segurou o primogenito na pia batismal e hoje posa de exemplo-de-bom-exemplo ao lado do ,agora, recém - separado sob os filtros do Instagram doa a quem doer?

A quem vivenciou tão cabuloso quanto popular enredo como vítima heróica, sentindo a pressão dos molares de outrem depredando-lhe o coração, dedico este gole de whisky que cá tenho. Aos que ali estiveram como praticantes desse ritual milenar da admiração antropófaga, devorando os restos d'outrem. A sobra. A rebarba. O subejo das histórias falidas, a esses, pois: a oportunidade de se reconhecerem.

O admirador canibal é sempre o primeiro a tirar vantagem e o único acima de qualquer suspeita. Afinal, trata-se de fã declarado.

Do mais, apenas cabe a premissa adaptada de "quem não tem cão caça com gato" : quem nunca será o melhor, que devore -lhes os restos".

Juliana Santiago
Enviado por Juliana Santiago em 05/09/2012
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