Fazedor de sonhos

Ele se espreguiça, esticando as minúsculas pernas. O barrilete azul lhe cai da cabeça. Ele continua a se alongar e o apanha; antes de recolocá-lo na cabeça, alisa calmamente as orelhas pontudas. Um gesto preguiçoso que ele usa pra se inspirar e despertar após essas sonecas.

Pendurado numa rede de sinapses, resolve brincar com elas, reformulando caminhos e abrindo novas vias.

Prepara-se pra o inicio de um novo dia de trabalho. Seu hospedeiro, faz o percurso oposto. Começou agora a resvalar para o mundo inapreensível dos sonhos. Despenca suavemente no abismo e é tragado por cores barulhentas, sons cheirosos, sabores coloridos e perfumes incolores e …

Um festival de arco-íris invade seus olhos, aguça sua sensação quando as cores lhe tocam a pele e ele sente na boca um cheiro de amor voltando, um gosto de amanheceres chuvosos e então seus cabelos sentem o orvalho que cai produzindo uma música suave.

Que universo estranho é este em que seus sentidos se entrecruzaram e provocam uma orgia de sensações indescritíveis.

Ele se abaixa diante de um regato murmurante que lhe convida com um sorriso, e fazendo a mão em concha pra beber, sente a água lhe penetrando os poros produzindo música n'alma. Fecha os olhos e absorve aquilo tudo. Deixa-se levar.

Escondido, inalcançável em seu território, brincalhão, o fazedor de sonhos vai tocando sua musica que desprende cheiros enquanto as cores produzidas tem um sabor de mel de planície. Ele leva seu hospedeiro a um mundo agora repleto de sensações indescritíveis cuja riqueza se perdeu na memória e da qual o hospdeiro jamais suspeitaria não fosse esse universo secreto, rico, fora do seu alcance e tecido calmamente com um material que foi relegado ao abismo de onde nada refoge, se não fora o tecedor de sonhos, irrequieto, prenhe de lembranças, fazendo experiências, trazendo á luz coisas, tramando novas urdiduras diante do seu tear.

Ali o tempo não tem fim nem começo, anda de trás pra frente, ou de cima pra baixo ou da direita pra esquerda, congela, corre, anda como lhe apraz; o mundo não tem fronteiras, tudo é fluido, o corpo nada prende, e as coisas são ou não são, podendo tomar de empréstimo novos moldes e nuances...

Uma casa é uma casa, ou o retorno de um amor, ou uma prisão, ou...

Depende da luz que incide nela, da posição do tear, do humor do tecelão, do balançar de sua rede ou da vontade que ele sentiu de criar e recriar novos caminhos naquelas sinapses.

Nada é novo, tudo é releitura, tudo é feito do mesmo material; só mudam as receitas, os desenhos recriados pelo homenzinho encarregado daquela grande sala secreta, da qual só ele tem a chave.