Uma bela influência

Minha relação com a língua escrita numa perspectiva, digamos, pública inicia bem cedo. Lá no antigo ginásio, na Academia, em Juiz de Fora, Dionísio subia o morro da Academia, vestia seu jaleco comprido e pardo, pegava a caixa de giz e ia nos ensinar.

Era um professor de português muito moderno, para os padrões da época. Fazia-nos ler em voz alta, avaliava nossa entonação e, vejam que atrevimento, dava aulas de gramática... Mas sobretudo nos fazia ler e escrever muito... Tinha uma certa predileção por discursos. A cada data importante do calendário, íamos nós visitando com palavras Tiradentes, Pedro I, Deodoro da Fonseca e também os fatos importantes da época... Em plena ditadura, chegamos a caminhar com nossos vocábulos ainda precários pela guerra do Vietnã, onde, para nossas mentes inocentes, os ianques democratizavam a humanidade...

O importante é que escrevíamos... Líamos o discurso, o mestre nos ouvia e pegava de nosso papel e corrigia, e comentava, e atribuía uma nota, que sempre era estimuladora. Um de nós ficava responsável pelo dicionário, porque se ele, o mestre, tivesse alguma dúvida, dizia para o consulente algo assim: veja aí se compreensão não é com s! É evidente que ele sabia, mas era importante passar certa fraqueza, certa limitação, para não ficar tão distante daqueles meninos cheios de dúvida.

Penso que esse mestre nos deu coragem a todos nós. Coragem de separar “nossas ideias de nós mesmos”. Não me tornei escritor, mas seguramente me fiz um apreciador de textos e um motivador de talentos. Devo muito àquelas aulas, àquelas leituras, àqueles discursos, àquela humildade do mestre, que se curvava à sabedoria dos dicionários, mas parecia nos dizer que aquele código frio não era mais importante do que nossas almas de meninos iniciantes, que começávamos a nos aventurar na escrita.

Assim prossegui...Penso que um pouco da coragem de me expor em cursos, de arriscar uma ou outra tentativa de texto mais poético, de me intrometer nos textos de meus alunos ou daqueles que me pedem uma opinião vem, seguramente, desse tempo. Esqueceu-me dizer (que construção machadiana!) que Dionísio reescrevia nossos textos conosco. "Olhem, assim fica melhor", dizia o mestre. Noutro dia fazia pequenos contos ouvindo o grupo, angariando sugestões... Em algumas vezes, me vi arriscando como o antigo mestre nesses quadros que se apagam, mas que alguns alunos escrevem nos cadernos e nas almas. Uma recompensa, um bálsamo do magistério!