O menino que virou crack

O Menino que virou craque; O craque que virou crack.

Jorge Linhaça

Era uma vez um menino, como tantos outros meninos, que amava jogar futebol.

Jogava com alegria, jogava à noite, jogava de dia e cada vez mais aprendia.

Foi crescendo, o menino, em tamanho e habilidade, lindos lances produzindo com incrível facilidade.

O menino era um craque, disputado por várias equipes amadoras, recebia algum dinheiro pelos jogos que disputava. Não era grande coisa, mas não andava de bolso vazio.

Um dia o nosso craque foi apresentado a outro crack, este muito mais poderoso, capaz de distorcer a realidade de levar a outro mundo.

Os craque e o crack passaram a ser companheiros inseparáveis, o dinheiro que o craque recebia era repassado sistematicamente ao seu novo companheiro. Seu rendimento foi caindo, dos campos foi sumindo e já não era mais procurado para jogar.

O sonho de ser profissional foi substituído pelos delírios da droga, o menino que era craque passou a ser mais um dos muitos meninos do crack.

A história é real e o personagem tem muitos nomes, o drama repete-se em várias cidades, vários estados, vários países.

Os meninos craques vão se transmutando em meninos crack e os sonhos vão ficando pelo caminho.

Politicas sociais inócuas, polícia mal aparelhada para combater os traficantes, leis por demais brandas para os criminosos, o sentimento de impunidade que assola o país. Apenas algumas das razões para que a praga se espalhe como uma moléstia infectocontagiosa.

Perdemos craques não apenas de futebol, não apenas de outros esportes, perdemos craques de todas as atividades e profissões. O crack já não atinge só a camada mais pobre da população embora esta seja obviamente a mais afetada por tratar-se de uma droga barata.

Perdemos nossos craques, de todos os segmentos, porque não damos a devida atenção aos nossos jovens, ocupados que estamos com nossas próprias vidas, ansiosos por buscar bens que nos dão a ilusão de uma qualidade de vida que ao fim revela exatamente o oposto.

Qualidade de vida não é obter muitos bens, qualidade de vida é viver bem com o que se tem.

Quando nos deixamos levar pelo desejo sistemático de possuir tudo que há de novo no mercado, embora já tenhamos aquilo que é necessário e funcional, caímos na armadilha de não termos tempo para o que é realmente importante em nossas vidas.

Essa absurda sensação de vazio que nos invade a alma é o que leva a muitos para o caminho das drogas, sejam estas as “lícitas” como o álcool ou as ilícitas como o crack. A fuga da realidade e a efêmera “tranquilidade” ou “Viagem” apenas arrastam-nos para o uso cada vez mais frequentes dessas rotas de fuga. O final raramente é feliz.

Salvador, 13 de setembro de 2012.