A vida naquela colina

A porta aprisionada por flores, mal permite a entrada de alguém; uma ramada luxuriante de bolgarin já está fechando tudo. É uma luta manter aquela florada comportada sem impedir o fechamento da porta.

Uma janela semi-escondida, afogada em ramos de jasmin-estrela, espreita o vale, com olhares indiscretos.

A um canto do terreno, numa laranjeira carregada de frutos e ainda exalando o cheiro cítrico de suas folhas, um sabiá canta a plenos pulmões, quem sabe numa corte á uma provável companheira.

Nos mourões que formam a cerca alinham-se três pássaros de lustrosas penas negras que parecem descansar de suas andanças. A cancela frouxamente presa aos gonzos vai e volta produzindo um som gostoso, já estranho á maioria dos ouvidos.

Beija-flores assanhados fazem a festa no pequeno jardim, fartos de sabores, indo levianamente de um maciço florido a outro.

Um gato preguiçoso, molemente acomodado no tapetinho da porta de entrada fixa os olhos de caçador naquelas criaturas aladas. Mexe-se com movimentos furtivos, em câmera lenta e abaixa a costa pronto pra saltar, mas os pássaros vigilantes levantam vôo, emitindo cantos de alerta a outros que estejam por perto.

Tudo volta ao silêncio, só quebrado pelas cigarras que ali cantam a vontade.

No alto, farrapos brancos de nuvens correm em perseguição a outros num céu azul brilhante que ofusca tudo e parece fugir ao olhar naquela teia translúcida do meio-dia.

No caminho que leva á casinha, uma aléia de arbustos floridos podados denota a intervenção humana em algo que parece mais um pedaço de paraíso.

Um caminho de cascalho serpenteia a frente da casa, levando aos fundos onde duas goiabeiras e uma figueira estão generosamente carregadas de frutos. Alguns figos caídos no chão evocam cheiros acuçarados como se um grande tacho de doce estivesse sendo preparado. No chão revoam moscas de fruta encantadas com aquela festa. A goiabeira maior estende uma grande sombra e seu caule cinza laqueado apresenta nós, doutros galhos outrora existentes. No chão o tapete de folhas secas e frutos maduros é frio e só poucos raios de sol conseguem furar aquela barreira de densas copas, bordando no chão um rendilhado colorido e dançante.

A um canto num laguinho rodeado de pedras de rio, uma pata e quatro patinhos nadam.

A presença human implícita em cada detalhe é um mero acessório e tudo parece parado num limbo.

Os poucos vizinhos espalham-se nas encostas que levam aquela colina prenhe de cheiros, sabores e silêncios.

Eles deixam suas casa abertas enquanto vão aos campos fazer a colheita.

Nessa hora estão chegando após uma manhã de cansativo trabalho e aquela visão de cheiros e sombras é uma festa pra seus membros cansados.

No fim do dia costumam se reunir pra conversar e trocar delicadezas, como um bolo cheiroso, uma caçarola zelosamnte envolvida em toalha bordada e cujo cheiro aguça o paladar ou um novo maço de flores secas pra perfumar gavetas.

O tempo passa e eles sabem disso, mas resolveram criar um tempo dentro do tempo pra suas vidas, naquele lugar intocado por estresse, fumaça de descarga e trânsito barulhento.

Ali a terra com suas estações e dias inalterados dita a vida.