OS PANAMÁS

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

OS PANAMÁS

Quando era tempo bom, todo santo domingo o Paulo e eu íamos à missa em Armazém, não nos importando com a distância. Mas não era tanto pela vontade de rezar, não, que caminhávamos aqueles seis a sete quilômetros só de ida. Era mais pra juntar-nos a outros colegas e irmos jogando corridas, fazendo apostas ou fazendo molecagens pelo caminho.

Nós já devíamos ter chegado aos dez anos. Numa bela manhã de domingo, estávamos prontos quando a mamãe chegou com ar feliz e nos entregou um presente pra cada um dentro de uma caixa enorme e redonda de papelão. O que será, o que não será... Pelo formato da caixa já se podia adivinhar. Abrimos, era um chapéu branquinho. O nome certo eu não sei ainda hoje. Uns diziam chapéu de panamá, outros, chapéu panamá, e mais outros diziam que se chamava simplesmente panamá aos tais chapéus. Isso pouco importa. O que interessa mesmo é que nós ficamos muito felizes.

Pusemos o presente na cabeça e saímos faceiros pela estrada.

— Por que será que nóis ganhemo este chapéu de presente? — perguntei quando já íamos longe. — Nóis não ‘tamo fazendo aniversário...

— Eu acho que é porque nós ‘tamo ficando moço — respondeu o Paulo, pondo panca de gente grande.

Chegamos ao lugar do encontro com os companheiros de sempre, mas por azar, nenhum deles estava à espera como de costume.

— Eu acho que eles já foro. Decerto, porque nóis demoremo, e eles pensaro que nóis não viesse — supôs o Paulo, e continuamos assim mesmo.

Como não houvesse outro jeito de atravessar o rio a não ser por dentro d’água, o que nem sempre era possível devido às cheias, íamos pela margem esquerda até meio percurso e passávamos a única ponte pênsil existente entre Bom Jesus e Armazém. Com isso, tínhamos que atravessar potreiros de várias propriedades, muitas delas com gado bravo e cães raivosos. Felizmente, porém, nunca nos aconteceu algo de grave.

Nesse dia, porém, estreando nosso chapéu novo, íamos nós dois já bem perto da tal ponte quando, não sei por que cargas d’água, uma coruja cismou conosco e avançou em voos rasantes sobre nós. Numa dessas investidas, ela me atingiu, unhando-me na cabeça, chegando a fazer sangue. Isso, porém, não foi nada. O desespero foi ver meu lindo chapéu novinho ser levado preso nas unhas da coruja que enveredou pro lado do rio. Felizmente a uns cinquenta metros o chapéu caiu, e o susto passou. Corri depressa a buscá-lo. Por sorte não houve estrago. Apenas um sujinho à-toa.

Se a coruja tivesse sobrevoado o rio, e o chapéu caísse na água, eu teria ficado sem o meu panamá. Pois foi o que aconteceu não muito depois e não só com o meu. O do Paulo também entrou bem dessa vez. Não que a coruja os tivesse levado não. Nem caíram na água. Foi o contrário. Caiu água em cima deles. Nem foi uma chuva muito forte. À medida que foram molhando, os chapéus foram desabando e encorrugindo como maracujás maduros e acabaram na coisa mais ridícula do mundo.

Ao chegarmos a casa com os chapeus naquele estado, fomos alvos de gozação dos irmãos mais velhos.

— Ora, ora, ora! Mal empregado o dinhero dado por essas porcaria! — papai lamentou.

— Quando enxugar, eles se endireito de novo — mamãe falou.

Endireitaram coisa nenhuma. Acabaram virando cama pros gatos.

Cada vez que eu vejo o retrato de Santos Dumont, ainda hoje me lembro dos nossos panamás desabados.