NARCISO, O JOÃO DE BARRO.

NARCISO, O JOÃO DE BARRO.

18/09/12

Há alguns meses fiz alguns canteiros em uma área lateral à garagem e próxima a cozinha. Os canteiros são cercados por tábuas com terra natural, composto e esterco. Lá cultivo temperos e plantas medicinais e me livro do calor ao regar quase que diariamente sem ter horário para tal, afinal chuva nunca marcou hora para cair. Tenho reparado que basta o cheiro da terra molhada se fazer sentir para um João de Barro rapidamente pousar no canteiro cuja terra é mais aparente e com seu bico pegar pequenos nacos de terra e alçar um curto voo não sei pra onde no jardim e logo retornar numa repetição constante.

No último sábado, tendo dormido até mais tarde, fruto de uma extrema fadiga provocada por meu último esforço para me livrar do sobrepeso e ganhar agilidade para os dias que estão a chegar, levei meu carro para lavar e ao retornar me pus a molhar os canteiros. Apenas alguns minutos bastaram para o João de Barro aparecer e começar a coleta do material para construção de sua casa. Acabei minha tarefa de preservação do verde, tomei meu banho e resolvi almoçar uma suculenta lasanha num restaurante inaugurado há pouco e que na Belo Horizonte de outros tempos distava cerca de 300 metros de onde eu morava, fica na subida da Afonso Pena, ainda no Anchieta apesar de se chamar Mangabeira. Esta extravagância da gula que me permito ao cumprir 6 dias de malhação e caminhadas, como prêmio e incentivo ao esforço despendido. Qual foi minha surpresa ao me aproximar da porta do motorista e vê-la toda manchada com marcas de um liquido cor de vinho tinto a escorrer do vidro até o final da porta. Achei estranho, pois parecia coisa de morcego, mas estava de dia e o carro fora recém lavado. Apressado para que tal suco gástrico não atacasse a pintura do carro deixando marcas eternas, busquei uma esponja molhada e me coloquei a limpar tal porcaria. Carro limpo fui ao encontro da suculenta iguaria ofertada pelos “oriundi” da bota do velho mundo que pedia um belo “demi sec” no antepasto de pão de alho frito no azeite, que logo dispensei pela lembrança da porta maculada do carro.

Regressando do almoço não pude me furtar a uma bela sesta reparatória de 30 minutos, costume adquirido nos tempos da adolescência, indispensável para me dar ânimo para o período da tarde. Ao acordar lembrei que tinha deixado o carro estacionado na porta de casa. Aproveitei para guardá-lo e novamente lá estava a mesma marca cor de vinho escorrida pela porta, só que desta feita a do carona.

Guardei o carro e passei a repetir a ação de limpeza. Estava eu me erguendo do asseio da parte inferior da porta quando reparo o Sr. João de Barro a bicar o retrovisor da porta do motorista e fazendo mil meneios, voltas e contra voltas numa tremenda paquera a imagem do espelho. Pobre narciso que construía uma casa só para si.

Geraldo Cerqueira