Sopro íntimo

Olha, demorei tanto pra reunir toda a força e coragem pra te falar isso, assim, te olhando nos olhos, tão de face a face, tão rente à fragilidade que você carrega e eu exponho e nós transpomos.

Mas olha, preciso tanto te dizer com todas as letras e com palavras sonoras e dizíveis e que eu posso sentir que realmente te disse, e que você possa sentir que eu realmente te disse. Porque sei que já te disse milhares de vezes em pensamento, e sei também que, de alguma forma estranha, você já me ouviu e leu cada linha e entrelinha minha. E sei que minhas lembranças e pensamentos não são nenhum mistério para você. Mas, por deus, como eu preciso te dizer tudo, te olhando nos olhos!

Porque todas as vezes que você chorou e prometeu que seria a última vez, e que tudo mudaria e que as coisas dariam certo, e todas as vezes que você desmoronou na minha frente, e todas as vezes que você se jogou em qualquer canto de sua escuridão que eu não podia avançar, e só deus sabe como eu sofri em silêncio, e calando-me de meus desesperos por deixar-me, permitir-me olhar você se render em eterna fraqueza. Mas como eu sofri! Sofri à cada promessa envelhecida e desgastadas de falsas palavras que tentavam rima comigo. Então você se trancava em seu mundo de medos e dores e fantasmas e angústias, e eu nem sabia onde podia achar a porta, e eu nem sabia como te resgatar.

Então a gente dançava em qualquer ritmo mórbido de recomeços frustrados, e eu te perdia, eu te embalava e derrubava. Eu, na minha fraqueza essencial, te derrubava, e num grito silencioso te acordava, te morria, te amava, te temia. Porque nunca te suportei, porque, nessa minha fragilidade sufocante, te permiti a queda.

E, olha, mesmo sem dizer nada, mesmo nessa sua expressividade calada e morta e cansada e lacrimejante do meu eu, eu sei que me ouve e que me concorda e, mesmo me discordando, me suporta. Me comporta… E, quado a música acabar e o vapor do chuveiro embaçar o espelho, tornando-nos manchas torpes e invisíveis e indistinguíveis, vou saber que, ao menos, te olhei em meus olhos, te pronunciei minhas palavras. Me cuspi o que sempre passou dentro de nós.