MEMÓRIAS DE INFÂNCIA

Tínhamos uma turma grande, inocentes, soberbos, mentirosos, gavolas, e cheios de espinhas no rosto. Início da década de noventa e por volta dos dezesseis anos. Era eu, o nézinho, o Leandro dentuço, o Edu quatro zóio, o binho, o nano, o argentino, o polêga, o girino, o nego Gefo e o Mateus. Todos moradores do mesmo bairro, jogadores profissionais de bulita, taco, bola e soltadores de pipas. De vez em quando dava brigas, quebravam-se no laço. O Mateus e o girino eram envocados, brigavam até por diversão. Eu era mais na minha, mais espectador, ouvinte. Era também o mais sarcástico, o mais engraçado e o que mais jogava futebol. Era centroavante, oportunista, fazedor de gols, malicioso. Era um Tuta, gremista. Um gremistaço!

Estamos todos, todos mesmo, sem ausência de ninguém, sentados no bar do seu Arno num sábado a tarde, um calor hediondo e horrendo, dando rizadas e fazendo piadas, quando num momento solene o Leandro Dentuço faz uso da palavra. Todos pararam, pois ele era o mais tímido. Não! Um bicho do mato. Usava óculos, era dentuço, tinha o nariz grande, cheio de espinhas, alto, magro e tinha um pentiado milimétricamente esquisito puxado para o lardo esquerdo. Ele era feio! O Leandro dentuço era horroroso. No início gaguejou, fez caretas, deu umas duas soluçadas, mas no fim saiu:

- Gurizada, “to” pegando a Laurinha!

Um sentimento sombrio e irônico pairou pelo ar, todos se olharam boquiabertos, mas logo se esplodiram numa gargalhada sem fim. Todos. Até o seu Arno e sua esposa que atendiam no balcão não se agüentaram.

A Laurinha era a mulher mais linda do bairro. Ela era perfeita. Loira, alta, olhos verdes, seios fartos e bunda grande. Todos éramos apaixonados por ela, tarados, obcecados. Ela era uns quatro anos mais velha que nós. Todos eram virgens e ela era experiente.

- Pô cara, a Laurinha? Deixa de ser mentiroso dentuço.

- A Laurinha não! Tu não!

- Tu é muito feio... e ainda é mentiroso dentuço...

Todos comentavam, todos riam, gritavam no bar do seu Arno.

Até que todos olharam para o lado esquerdo, e é aí que surge a Laurinha. Escaldante, bela, linda, com um caminhar provocador, esbelto. O silêncio pairou, todos ficaram sem jeito. Pensaram que o dentuço ia chegar agarrando, beijando, chamando de amor, pois até então ninguém havia desmentido essa história. Não sabíamos para quem olhar. Para a Laurinha ou para o dentuço? Foi aí que o dentuço começou a tremer. Mas tremer muito, ficou com tiq nervoso, balançava a cabeça, começou a gemer. Foi então que ele levantou e saiu correndo, em disparada, aterrorizado, apavorado, chorando. Ficamos assustados e o assunto acabou por ali. Nunca tivemos coragem de perguntar para ambos sob seu relacionamento. Nunca!

Mas, no fundo, até penso que o dentuço pegava a Laurinha, e ela era obcecada por ele.

Pois o amor não tem barreiras, não tem escolhas, não tem credo e nem cor, E, como diz o ditado: “Sempre há um chinelo velho para um pé sujo”. O dentuço tinha achado o dele.

Amar é possível, amar é preciso, amar é necessário.

Ame sem preconceito... Apenas Ame!