Síndrome da Virose Estressada

Rosa Pena


 
Pela manhã, ainda com um tempinho sobrando, resolvo ler a bula do remédio tarja preta que já tomo há um bom tempo. Percebo que posso perder dos cabelos até as unhas do pé! Meu Deus! Fora que o desejo sexual pode ir por água abaixo. O uso prolongado pode causar dependência! Ainda bem que não se trata de supositório. Vixe Maria!


Concluo que o risco dele é maior do que atravessar a Avenida Brasil depois das dez da noite. Resolvo que devo parar de tomá-lo, como devo parar de fumar, por mim e pelos passivos sofredores indefesos com minha fumaça, como também devo evitar a praia, o sol está matando, mesmo com filtro solar e a água está totalmente poluída, como também devo ver o Carnaval só pela TV, para precaver-me da violência, como devo também deixar de comer carne vermelha, pois meu colesterol está alto, como também devo esquecer o sal, a pressão agradece, abdicar do açúcar, glicose alta é perigosíssima, como também não devo beber, pois faz mal ao fígado e como também não devo usar demais o micro, pois a net faz mal à vista.

Jogo fora imediatamente o maldito remédio!

Saio de casa para pegar um ônibus, mas resolvo ir andando, pois também devo evitar este veículo que é perigoso. Vai que alguém resolve pôr fogo nele?
Logo na primeira quadra, vejo um belo gramado e lá no meio, uma placa: "Proibido pisar na grama". Deduzo que quem colocou a placa ali foi alguma aeronave. Ou ela chegou voando?

Chego ao meu prédio e vejo na porta um menino de rua dormindo debaixo da marquise e colegas consternados, colocando moedas ao seu lado. Depois me entregam folhetos, avisando sobre o movimento contra pivetes em sinais de trânsito. Não entendo direito qual é a desses esquerdos corações.

Começo a percorrer o corredor e leio: "Não corra nos corredores". Então deveria se chamar andador, caminhador, menos corredor. Resolvo ir ao banheiro fazer xixi e lavar o rosto. Vejo uma placa, avisando que é proibido jogar papel no vaso, mas não tem cestinha. Deduzo que devo me enxugar e engolir o papel. Opto por ficar com o sintoma de incontinência urinária.

Tento apenas lavar a mão e o rosto, mas a torneira automática é mais rápida que eu, desliga a cada segundo. Tento secar o pouco que molhou naquela máquina automática que faz ventinho e nada acontece. As mãos permanecem úmidas.
Fico tensa. Será que voltaram os meus velhos delírios sem motivos?
Percebo que acabei por ficar atrasada e corro pro elevador. Lotado. Subo seis lances de escada e chego em minha sala transpirando muito.

Meu chefe olha pro relógio de cara feia e pergunta se sei ver as horas.
Sem estribeiras, respondo que em nosso setor falta uma placa: "É proibido o trânsito de animais de carga imbecil". Sou enviada imediatamente para o setor médico, onde o doutor avisa que eu não poderia jamais ter parado de tomar o bendito tarja preta.

Pergunto novamente sobre o meu mal.
     Síndrome da virose estressada.
     Tem cura? Vou viver?
     Lógico. Agora o homem moderno que não bebe, não come carne, sal, açúcar, não fuma, não transa e não sai de casa, está com uma expectativa de vida de pelo menos oitenta anos.

Viva a ciência!!!
 



UI!
Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 22/02/2007
Reeditado em 14/06/2010
Código do texto: T389467
Classificação de conteúdo: seguro
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