Saudoso Edésio

“Qualquer coisa é a mesma coisa, e quanto mais principalmente”, assim me dizia o Edésio, um cachaceiro a quem tive a honra de conhecer no interior da Bahia, que trabalhava em uma antiga fábrica de tecidos. Homem digno, respeitável. Foi um homem que eu vi perder um carro por causa da cachaça.

É festa de Nossa Senhora do Amparo. Ele bateu o ponto na saída do trabalho. São seis da tarde e o sol, havia pouco, tinha ido bronzear belas mulheres noutras bandas. Passou na venda de seu Zeca, como era de hábito, tomou uma caninha da roça preparada com gengibre e lá se foi feliz cair nos braços da mulher que fazia questão de amar tempo suficiente para criar filhos e netos, e mais uma cambada que volta e meia aparecia por conta de alguma malcriação da vida.

A cidade em polvorosa, toda enfeitada com fitas plásticas e bandeirolas azuis e brancas, se animava com a chegada da hora das festas de logo mais tarde. Só os crentes, que não eram poucos, reclamavam que isso ou aquilo era vergonhoso. Nos longes os atabaques, esses sim eram poucos e oprimidos, comemoravam e pediam benção e proteção.

Edésio chega em casa, dá um cheiro no cangote da esposa já toda arrumada para a ocasião, que desde tempos imemoráveis já se acostumou com o cheirinho de cachaça do seu nêgo. Saem juntos de carro, sobem a ladeira, saem de mãos dadas, lindo casal de pretos orgulhosos de tudo. Chegam à igreja e rezam. Ele reza pelos velhos amigos que há algum tempo, como diria o grande Machado de Assis, foram estudar a geologia dos campos santos. Reza pela graça, pelo pão, pela cachaça, amém! Deixa a mulher, que prefere ficar a rezar para se sentir mais perto de Todo Poderoso e vai cair no meio da gente assanhada do tipo que só se encontra na Bahia, terra de Caimi e Jorge Amado.

Some. A mulher também não se preocupa. Dona Dinha não quer pegar táxi, vai embora andando mesmo que a casa é logo alí, está acostumada. Apenas vai para casa e espera saber o que se dará de madrugada quando seu marido chegar. Edésio, ao contrário de muitos homens, e para a felicidade de sua esposa, sempre fora engraçado quando bêbado. Muitas vezes ficava dançando pelado no meio da casa ao entrar e ao sair do banho. Ridículo, é o que ela achava, mas ria e dizia:

- Vai vestir a roupa, homem, ôxe! - e ria.

Na manhã seguinte Edésio acorda com uma barulho na cozinha. Vai tomar um café bem forte e sem açúcar feito com carinho pela negona, que é pra curar a ressaca. Olha pra garagem e pergunta:

- Cadê o carro? - E ela.

- Sei lá, quem te trouxe foram uns amigos teus aí que eu não conhecia, mas sairam e levaram o carro.