DIA DE SOL
Preciso chegar antes, estar antes, ser antes. Mas antes do quê? O fim definitivo para tudo é a morte mas, lá se chega como também se chegou à vida... então, porquê a pressa, essa ânsia de antecipar, prever, preocupar? Tudo gira na mais inacreditável velocidade e perdido está todo o tempo, as ilusões, as utopias. Um dia de sol é apenas isso, dia e sol.
O astro que viu os Andes se erguerem, que iluminou as mãos de Michelangelo é o mesmo que hoje doura minha pele, seu rosto e seus braços que me abraçam. O instante de cor, a flor no chão, as gotas d'água paralisadas na fotografia em que um menino qualquer teima em espalhar.
Ver se posso olhar, olhar se posso reparar e tornar-me por um instante, objeto de mim mesmo a observar a erva daninha que insiste brotar ao pé de uma árvore que fora mutilada. Ter o tempo das colmeias num voo em linha reta para o vermelho da rosa, ter o Rosa por perto que me ensina que todos os meninos são Miguilim e que, se lhe botam um óculos na fuça, todo o Mutum que nos cerca é bonito mesmo.
Sobre o tempo nossa história tende a ser o mosaico desses pequenos registros, desses instantes de suspensão entre notas de um perfume etéreo.