A décima-terceira garota

 
Você tem medo de sair à noite?
 
Solitário, caminho como um andarilho noturno e percebo, pela enésima vez, a loucura dos tempos modernos corrompendo a sociedade.
 
Esse testemunho histórico é desgastante. Não se consegue mais entender toda essa violência. A complexidade de toda essa loucura em que vivemos gera um medo estranho. Não sabemos o que encontrar. As consequências são imprevisíveis. Desconhecemos a noite desde a época em que ela resolveu se rebelar.
 
Nesta rua deserta em que caminho, uma menina de rua se esconde nas sombras de um beco escuro. Ela me chama, e eu me aproximo dela.
 
A menina me oferece parte de sua comida. Fazendo um gesto com as mãos sujas de sangue, ela deseja compartilhar comigo sua refeição: órgãos humanos.
 
Em troca, divido com ela minha garrafa de vinho. Não creio que ela fosse me convidar para jantar se não tivesse visto a garrafa cheia em minha mão.
 
Comendo o que parecia ser um fígado, a menina sorri quando ofereço a ela um gole da bebida, que ela bebe com um apetite glutão.
 
Olho para o chão onde ela está sentada e acompanho o rastro de sangue. Descubro uma pistola ao lado do corpo de um homem, aberto a faca, sob o luar dessa noite funesta e, com a ajuda da faca deixada ao lado do cadáver arranco o coração.
 
O corpo está quente. Ainda fresco. Sento-me ao lado da menina e, juntos, desfrutamos do luar bebendo vinho e comendo carne humana.
 
Ela me conta sobre o homem. Aponta para um carro ali perto e confessa toda a história. Era o carro do homem morto.
 
Olhando melhor a menina vejo o quanto ela é linda. E me pergunto: "Seria uma viciada? Prostituta? Fugiu de casa?"
 
O que importa? Não é se precipitando em conclusões mundanas que se entende as criaturas...
 
Já o homem. Esse parecia não ter medo da noite. Ele desceu do carro e foi atrás da menina perdida e solitária em busca de prazer. Essa seria a décima-terceira garota que ele iria estuprar. Mas o problema dos homens que acham que não há motivos para se temer a noite é exatamente esse, o ceticismo. E isso se reflete em todos que não respeitam o desconhecido ou improvável.
 
Uma das maiores ruínas da sociedade moderna é querer tapar os olhos para o medo. Isso porque neste mundo misterioso chamado Terra sempre haverá algo para se temer.
 
Ouço alguém chorando dentro do carro. Levanto-me e a menina me acompanha apenas com seu olhar alucinado enquanto vou verificar.
 
Há outra menina no carro. Mais nova. Toda encolhida, aparenta ter uns treze anos. Entre lágrimas, ela suplica:
 
-- Por favor, limpem as minhas digitais da arma e podem ficar com o corpo. Não me machuquem, por favor...
-- Era seu pai? - Pergunto.
-- Meu padrasto. - Ela responde.
-- Por que você atirou nele, menina?
-- Ele me fazia... assistir... todas as vezes, e... depois... fazia comigo em casa...
 
Por hoje chega, pois já estou farto dos problemas sujos da sociedade. E caminho de volta para a menina canibal que aguarda minha companhia.
 
A outra menina põe a cabeça para fora do carro e pergunta, preocupada e em desespero:
-- Vai fazer o que eu pedi?
 
Já a alguns metros distante atendo seu pedido. Ela me vê limpando a pistola com minha camisa, e digo a ela do outro lado da rua:
-- Carregue sua cruz e eu carrego a minha.
 
Você tem medo de sair à noite? Nessas horas de luar os anjos andam entre monstros que os chamam das sombras de onde se escondem.
Sr Arcano
Enviado por Sr Arcano em 01/10/2012
Reeditado em 18/02/2015
Código do texto: T3910906
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