UM TOMBO EM PARIS

Quanta gente, que não há por aí, sedosa por dar um passeio até Paris. Eu era um deles e fui muito além, refocilei-me num passeio que acabou por me ralar todo numa apresentação radical para lá de sensacional.

Paris é uma cidade que o encanto de cada canto encanta quem se perde em admiração perscrutando cada fato, cada espaço, cada movimento que se enrola no desenrolar dos viventes em cada rua. As ruas são como artérias que faz pulsar e dar graça a cidade. Tudo nela acontece. É um palhaço tecendo suas gracinhas engraçando quem por ela passa, ou uma estátua viva se contorcendo toda na vontade fisiológica de expelir o que já sobra no organismo, mais adiante um cartunista deixando engraçado o que sem graça está, um desenhista rabiscando a vida, um encantador de cobras, enfim todos mostrando suas habilidades, que por anos tantos, treinadas foram.

E o povo, tal qual uma massa sanguínea em movimento, no vai e vem, se acotovela, se espreme para sondar, por uma brecha qualquer, admirando ou aplaudindo a cena que a rua apresenta.

O dia estava úmido por toda Paris como toalha encharcada depois do banho.

Saí pedalando, num pedalar suave, recebendo no peito o frescor molhado daquela tarde cinzenta.

Minha sandália crock se escondeu, esperneou, e gritando não querendo sair disse:

- Eu não sou uma boa companheira com este tempo chuvoso para seus pés. Pegue alguma coisa mais aderente.

Não a ouvi calçando-a assim mesmo. Ela resmungou no seu resmungar chulezento, mas permaneceu no meu pé no pedalar constante.

Queria conhecer o lugar onde surpreenderam Napoleão com as calças na mão. A ruela que levava até lá era estreita e se contorcia toda numa subida maluca. Deixei a magrela amarada a um poste e iniciei a escalada. A chuva fina castigava meu rosto e pelos furos da crock molhava meu pé. Minha sandália parecia um patim no gelo.

Resfolegava eu tipo fole velho, e por isto parei no meio do caminho para me deliciar com um sorvete na casquinha.

Os casarões milenares quase arquejados circundando a viela se mostram cansados, mas não arredam o pé de lá. Entre eles eu percebi um futricar intenso criticando o povo, que no vai e vem, pisam nos pés deles.

Continuei meu caminhar, mas um tanto inseguro tentando me equilibrar naquele piso liso que cobria a rua molhada.

- Eu não te falei! Reclamou a crock para mim nos escorregões que eu dava.

E foi na maldita esquina, na faixa dos pedestres, à frente daquela multidão faminta por novidades que acabei apresentando meu espetáculo.

Tal qual um bailarino do Bolshoi iniciei o bailado. Primeiro a perna direita negou-se a ficar sustentando o meu esqueleto. Desgracioso fez meu pé desgrudar do chão. Ela voou acima de minha cabeça e com isto a minha perna esquerda aderiu à dança. Fiquei de ponta cabeça tentando com os braços manter-me em equilíbrio. Frustrada tentativa.

Dei um giro de 360º ouvindo desesperado o povo exclamar.

- Oh!

A multidão parou, abriu espaço imaginando estar ali um malabarista exibicionista, aplaudindo delirante a cada volta que meu corpo fazia no ar.

Eu sempre sonhei em levitar e agora me parecia no processo.

Eu simplesmente planei desgovernadamente no ar. Meus braços e minhas pernas, desalinhados, tentando se apoiar em qualquer coisa, não tinham controle e nem direção.

E o povo imbecil ria à beça.

O sorvete assustado se desprendeu de minha mão e foi grudar, para delírio da multidão, no peito desnudo de uma sirigaita. Só a crock permaneceu milagrosamente grudada no meu pé.

No desconforto dos rodopios no ar me senti, por instante entre apavorado e feliz, ser alguém notado em Paris.

O pior veio a seguir.

Como não tenho pena nas asas de minha mão vim estatelar desconfortavelmente meu esqueleto todo contorcido, todo embaraçado violentamente no piso. Era um amontoado de carne e osso.

Não entendendo o desfecho do espetáculo o povo aplaudiu delirante.

E a sirigaita? Ah! A filha da puta não aplaudiu, mas consegui entender, pelo seu raivoso grito esganiçado emergido por entre o murmúrio da multidão, que se afastava buliçosa, alguma coisa como:

- Bem feito! Se fodeu! Num relance consegui ver também que a vadia apontava para mim sua mão direita, estando com o dedo maior esticado e outros curvados.

Ainda atordoado pela aterrissagem pouco confortável do meu esqueleto no chão, recebo uma guarda-chuvada na cabeça de uma pouca simpática senhora, que ficou furibunda, por ter eu no espetáculo incluído passar a mão na bunda dela.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 01/10/2012
Código do texto: T3911037
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