Vermelho-Veludo

Eu estava quase me recostando na cadeira daquela pequena cafeteria. Ah, como adoro café… Quase no deleite da bebida quente, naquele dia frio. Eis que te vejo passar. Rápida, meio perto, meio distante. Você não me viu. Por alguns poucos segundos te vi de frente, de batom vermelho.

Olha, sei que não é mais da minha conta, que o tempo já tratou de afogar as esperanças de qualquer ‘estaremos juntos num futuro próximo’, mas eu que ainda me atenho aos seus passos, eu que me atenho aos seus sonhos. Eu que ainda te sonho e te caminho. Mas sabe, guria, que só eu conheço esse seu berro silencioso maquiado. Esse seu jeito meio frouxo de suspirar ao mundo o que te passas. Sei, só eu sei, o que te carregas por trás do vermelho batom.

Pensei, quando te vi passar, que estavas feliz. Pensei que era a causa da sua viagem. Fiquei sabendo que irias pra qualquer lugar bonito, com sol, mar, ou neve e frio. Qualquer lugar atônito que te emaranhasse as lembranças e te entorpecesse de risos trôpegos. Achei que fosse a felicidade ou o alívio atenuante que te movia o batom vermelho-veludo pelos lábios.

Esse seu jeito que me dizias da sua imensa alegria, ou imensa tristeza. Esse modo doce de lapidar a boca aos olhos do mundo. Quando era tudo calmaria, alegria singela, paz harmoniosa, eu sabia pelo tom de boca rosa, pêssego, brilho, ou nu. Quando o êxtase era nocivo, quando a alegria era pulsante, nova e berrante, ou quando a tristeza era profunda, carregada num abismo que te afogava tristemente, o tom era vermelho. Aquele mesmo tom de veludo-sangue-vinho. Que era aconchegante, porém perigoso. Que era pulsante, porém entorpecente. Que era vivo, porém demasiadamente mortífero.

Pensei em te chamar, sabe, tomar esses cafés quentes, talvez fortes e quase amargos. Talvez doces. Mas, certamente, cafés. Não te chamei… Pensei, dias após, em sua viagem, na saudade e na distância. Achei que merecíamos um último adeus, pois, certamente, sua alegria estonteante beirava ao vermelho vivo-sangue quase vinho do seu sorriso.

Te comprei um café. Daqueles que tu gostas, guria. Sabe, com creme doce, porém forte-quase-amargo. Bati em sua porta. Quase me recostei na beirada da escada, até que notei a porta destrancada. Na mesa, ao lado das passagens de sua viagem, uma garrafa de vinho-vermelho. Na sua boca o vermelho-veludo. Nas suas mãos o sangue-pulsante. Tudo vermelho-veludo. Quase aconchegante. Mas nada mais era vivo.