UMA CADEIRA DE RODA E UMA BENGALA

Por recomendação médica, a fim de poder dar condições melhores ao trabalho da fisioterapeuta no tratamento da perna, seu Chico teve que iniciar um período rodando, de um lado para outro, numa cadeira de roda de nome Margarida.

No auge de seus noventa e sete anos ele se empolgou tanto com a coisa que começou a dar suas voltinhas pela rua, pelas redondezas e por fim se arriscou até pela cidade toda. Ele se locomovia mais rapidamente com a cadeira do que sem ela. Foi isto que o encantou.

A Laura começou a ficar preocupada com a rápida adaptação e convivência do pai com a cadeira. “Aquela amizade não seria legal!”, pensava ela, e falava repetindo várias vezes:

- Pai, a cadeira é só para ajudar no tratamento de sua perna, o senhor tem que começar a andar por aí com suas próprias pernas. E continuava suas orientações: - A sua companheira é a Gabriela, sua bengala!

A Margarida ria daquilo que Laura dizia e segredava para o seu Chico:

- Chiquinho, não ouça a Laura não! A menina não sabe o que diz, ela está com inveja de nós. Eu acho que ela quer que você me abandone para poder brincar comigo, concluía a Margarida ao pé da orelha do seu Chico.

Seu Chico franzia a testa, olhava desconfiado para a Laura e continuava com suas rodadas de um lado para outro.

Como a campanha eleitoral já tinha começado, ele optou por rodar toda a cidade fazendo propaganda para o Tianca. O Dr. Mario até adaptou um sistema de som na cadeira e colou um monte de panfletos que ele distribuía.

A Margarida e o seu Chico faziam um par perfeito e viviam felizes. Quando, por insistência da Laura, ele pegava a Gabriela para dar umas voltinhas fazia a cadeira ficar inconformada, chorosa e ciumenta a um canto murmurando baixinho:

- Um dia eu mato esta bengala! Esta maldita magrela!

O ciúme que a cadeira tinha da bengala era tanta que a noite enquanto seu Chico dormia as duas se atracavam em discussão, palavrões e até se esfolavam em rodadas e bengaladas.

Mas as duas não se separavam.

Era a Gabriela que trazia o seu Chico até a Margarida, e se acomodava com ele, lado a lado no assento. Isto deixava furibunda e irritada a cadeira.

E a vida continuava, mas um dia...

Era uma tarde ensolarada convidativa para o bronzeamento. A Laura, como de costume lutava, numa luta inglória contra os caramujos na sua horta.

Seu Chico acomodado com a bengala na cadeira resolveu dar umas voltas, no pátio cimentado da casa, para aproveitar aquela tarde de um sol maravilhoso.

A cadeira animadíssima disse para seu Chico:

- Segure firme que vamos praticar um esporte radical.

Na realidade ela queria derrubar a Gabriela.

E começou a loucura!

Seu Chico já não tinha mais o controle da cadeira, mas estava feliz ao lado da Gabriela. Seus cabelos finos esvoaçavam soltos ao vento e, como se tivesse cavalgando uma mula xucra gritava a todo pulmão:

- Ipuuu!

Gritava e batia com a mão na cadeira como se estivesse batendo no lombo da mula.

A cadeira, feito uma doidivanas, também gritava; dava cavalo de pau; empinava e saia em velocidade numa roda só, rodopiando quase sem parar.

A doida da cadeira deixava marcas de pneu queimado no piso.

A bengala grudada no seu Chico chorava de medo.

O povo que passava pela rua parou e dependurado no muro aplaudia e gritava vivas ao seu Chico.

E a Laura alheia a tudo isto, absorta lá na horta, na luta contra os caramujos, até então não tinha percebido nada.

A multidão que se formou obrigou a Prefeitura interromper a rua por medida de segurança. Pipoqueiros, vendedores de sorvete, batedores de carteira, pastores de diversas igrejas, a televisão, ladrões, políticos, diversos repórteres esportivos e milhares de barraquinhas se instalaram ali para aproveitar aquela situação de importância impar.

O anjo da guarda de seu Chico quando viu aquilo quis avisar a Laura, não conseguindo, escafedeu-se.

A Margarida, já quase sem pneus, rodopiou, patinou e ao dar um cavalo de pau acabou se projetando no ar num salto mortal incrível.

Fez-se um enorme silêncio sepulcral.

Enquanto a cadeira, bengala e seu Chico planavam no ar para voltar ao solo ouviu-se um grito de desespero lá do fundo do quintal:

- Paaaiiiiiii!

E com um estrondo tremendo três corpos que não conseguiram permanecer no ar esborracharam-se no piso.

O povo assustado bateu em retirada. A Laura veio juntar o que restou da bengala e amontoar os pedaços soltos da cadeira. Ajudou o pai a se levantar, dando nele uma bronca danada dizendo:

- Tá parecendo piá pançudo!

Com o cotovelo quebrado e um enorme galo na cabeça, apoiando-se no ombro da Laura ele disse para a ela:

- Minha filha, eu acho que exagerei um pouco! E completou com um sorriso gemido:

- Mas que estava bom, lá isto estava!

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 04/10/2012
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