O COMETA QUE EU VI NO CÉU DE SANTA MARIA EM 1970

"Aquela faixa de luz brilhante no céu, na madrugada me fez lembrar no grande criador do universo, e navegar na imaginação da minha mente através do universo"

1970 foi um ano que, apesar de estarmos vivendo em uma ditadura militar já completando seis anos de existência, trouxe a nós, ali no interior da Bahia , muitas alegrias, apesar de estarmos vivendo crises como a falta de gasolina, com o preço do feijão e do café lá pela hora da morte.

A música, Foi um Rio que passou na minha vida, sucesso de Paulinho da viola, tocava todos os dias no serviço de auto falante da cidade tendo como âncora o grande Flavio, baterista do conjunto, Os Jovens, cujo líder e fundador era Ruy Lisboa.

Também foi o ano em que a seleção brasileira conquistou o tricampeonato no México e nos serviço de auto falante, em quase todos os dias o Flavio colocava o hino Pra Frente Brasil salve a seleção, de Sergio Cardoso, acompanhado com os gols narrados pelo Jorge Curie, Valdir Amaral, Fiori Gigliotte e Joseval Peixoto.

Na política da nossa cidade o jovem Belonísio Cruz era eleito prefeito, para cumprir um mandato de dois anos em sucessão a Péricles Laranjeira Braga, depois de uma campanha tranquila contra o candidato opositor, do recente fundado partido de oposição, Arena 2, Tito Lívio Nogueira Soares.

Essa eleição com mandato curto em todo o pais, tinha sido uma determinação do governo militar em Brasília por questões estratégicas políticas. Neste mesmo ano, em plena campanha política, depois de um tiroteio intenso na Praça das Bandeiras, o boiadeiro Antônio Galego é fulminado com um tiro certeiro, dado pelo pistoleiro temido o temível Zé Cariri, que levou também um tiro de raspão na testa, mas parecia que o coro cabeludo era de aço a prova de bala e ele apenas sofrera um leve arranhão. Antônio Galego então deixava uma viúva e duas filhas lindas de olhos azuis órfãs de pai. Uma judiação! Os vapores Benjamim Guimarães, Siqueira Campos e São salvador ainda ancoravam nos nossos cais.

O Expresso Nacional saia de cena e a Auto Viação Brandão e Auto Viação Badeco começavam a fazer as viagens rotineiras, duas vezes por semana para Brasília e Goiânia. Em São Félix, a Auto Viação São Cristóvão era substituída pela Auto Viação Bonfinense, no trajeto para Bom Jesus da Lapa . Foi neste ano em que nasceu o primogênito do casal Tércio e Arturzita, Talhes, e Nelsinho, caçula do casal Abel e Diva; E foi também o ano em que Sara Santana de Araújo chegou a Santa Maria para o curso de admissão, e marcar a sua trajetória mais tarde como educadora da cidade.

O que mais me marcou no ano de 1970, além de todos estes fatos narrados anteriormente, foi o cometa que apareceu entre o mês de março ou abril. Não tenho como precisar. Nas minhas lembranças sei que era próximo da páscoa. Nesta época eu cursava o quarto ano primário e dona Ruth, então professora havia mencionado para os alunos da classe sobre a aparição do cometa. Para vê-lo teríamos de acordar lá pras quatro horas da madrugada. Durante dias tentávamos ver mas as nuvens outonais sempre nos impedia.

Numa destas madrugadas fui sacudido por Saulo dizendo: Levanta cambão que hoje é o último dia para vermos o cometa e o céu está limpo! Com muito custo levantei-me da cama e junto com o pessoal da casa fui para a cozinha, que tinha um alpendre todo aberto. E lá estava ele no céu, o cometa! Sentindo-se que era o rei celeste, desbancando a estrela Dalva e a Lua! Parecia que havia um foco reto de luz de dois ou três palmos brilhante no céu. Estava meio inclinado como se fosse o acento agudo. O branco luminoso lembrava o branco gelo neon. Era um espetáculo gigantesco!

Na verdade eu esperava ver uma bola luminosa com uma cauda gigante, mas cauda e cabeça eram uma só faixa luminosa no céu. Era uma cauda de faisão esticada com raios luminosos. Durante quinze ou vinte minutos, divisamos e nos deliciamos do cometa, até o momento em que uma nuvem de outono determinou o término da nossa extasiada observação. Que maravilha de espetáculo! Até hoje não sei como narrar aquele momento histórico, lúdico, mágico, poético, épico e singular!

Como o universo é grande e maravilhoso! Se eu pudesse viajaria pelo cosmos para olhar todos os cometas! Foi o que pensei durante dias. Não podia ver um céu estrelado que lá estava eu olhando os satélites correndo em alta velocidade e na esperança de ver novamente um novo cometa. E depois do fiasco do Halley e do Kohoutek, é aguardar um novo momento se ainda existir neste inicio de século.

No dia seguinte tivemos que fazer uma redação sobre o cometa. A imagem dele nunca saiu da minha cabeça. Sofri decepções com o Kohoutek em setenta e quatro ou cinco, que não deu para vermos nada e, anos depois o fiasco que foi o Halley. Esperávamos vê-lo como em 1910 e nada. Nós nos deliciamos dos eclipses totais do sol e da lua, nunca mais pudemos ver um cometa em cores. Ou melhor: em luz. Não sei se os meus colegas se lembram deste cometa e, ou se o viram.

Eu vi! Não foi sonho! Foi realidade e também foi a única vez em que eu pude ver um cometa de verdade sem ser em fotos, vídeos ou livros e aliás ,naquela época era só em livros mesmo.

Nunca tive a curiosidade de pesquisar o nome daquele cometa de 1970, passado entre março e abril, e que só era mais visível na madrugada, antes do nascer do sol. Para quem não o viu a melhor maneira de descrevê-lo é usando o planeta Vênus como paradigma. É como se esticássemos o planeta Vênus ampliando o seu tamanho para um palmo de largura e três ou mais de comprimento , com o brilho semelhante a uma cortina transparente trespassada por uma luz de neon .

Um espetáculo imperdível e inesquecível. No final dos anos noventa nós tivemos o privilégio de vermos o planeta Marte a olho nu. Mas muito distante de vermos um cometa que nos traz um espetáculo raro, estonteante. Até hoje não sei o nome do cometa que passou na terra e que foi visível no Brasil em 1970. E que foi um facho de luz que passou em vida, naquela madrugada de outono. É o que há.

Joãozinho de Dona Rosa.

Sobre o cometa (por" Adelino P.Silva")

"Cometa Bennett foi descoberto por John Caister Bennett, de Pretoria, África do Sul, em dezembro de 1969. De órbita elíptica (fato que seria constatado mais tarde), passou pelas proximidades da Terra em meados de março de 1970, ocasião em que podia ser visto a olho nu durante o amanhecer. Por volta de 20 de maio desse mesmo ano já não era mais visível nem com o auxílio de instrumentos óticos. Em 1974, próximo ao Sol, o cometa se fragmentou. Pois é, eu consegui fotografar o Cometa Bennett, em 1970, por puro acaso, sorte. Morávamos em Belém, Pará, e naquele dia coincidentemente acordei mais ou menos às cinco horas da manhã. Quando cheguei à varanda, fiquei deslumbrado com aquele espetáculo maravilhoso. Corri e peguei a minha câmera Beautycord, tipo reflex, sempre carregada com um filme p&b. Tive calma suficiente para ajustar a velocidade em ?b? (aquela em que o filme fica exposto durante o tempo em que o disparador estiver sendo pressionado), abertura máxima possível. Contei cinco segundos e... pronto! Adelino P.Silva"