EXCESSO DE FUNDO QUEBRA O BANCO

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A saúde de uma instituição financeira depende basicamente das entradas das aplicações financeiras que são formadas e mantidas por ávidos, finórios e esperançosos aplicadores. Quanto maior for o fundo de investimento mais sólido é o caminho do retorno esperado por estes gananciosos aplicadores.

Que eu saiba um banco jamais quebraria por excesso de fundo.

A aula transcorria normalmente com minhas informações e discussões a respeito de fundo de investimento, sobre governança do sistema financeiro, sobre a taxa de alavancagem entre os passivos e os ativos da instituição financeira, sobre o risco sistêmico e etc. Pela minha atitude de poucos amigos e de aspecto sisudo a classe com quase setenta alunos permanecia calada na maior abstração. Ou era por não estar entendendo nada ou por medo de se manifestar. Na realidade eu acho que os alunos eram chauvinistas com tendências narcisistas com minomanias extravagantes. Mesmo que fosse uma falácia a minha exposição eles estavam ali quietos e dominados.

O ruído do movimento das asas de uma mosca era perfeitamente audível. Até a brisa que atrevida invadia a classe pelas janelas abertas sussurrando coisas incompreensíveis era notada. Nada mais perturbava ou transgredia a minha ordem de silêncio absoluto enquanto decorria o tema. Até a sutil vibração da mudança de pensamento podia-se ouvir.

O calor que se fazia era cruel e se podia ouvir o ruído das gotas de suor que caiam das faces angustiadas como se este ruído fosse um crepitar de lenha ardendo. Uma a uma rolavam pelo rosto indo se chocar até ao chão e se evaporando célere no ar.

Os alunos hipnotizados não se permitiam nem o piscar.

Se fosse pintado ou congelado este momento por certo a cena seria uma pintura quase macabra.

Eu me sentia o próprio deus no domínio total da sua criatura. Tudo estava dominado naquele ambiente.

Alguém, lá no fundo da sala detentor de um esqueleto que carregava nada mais que cento e cinqüenta quilos de ossos, carne, músculos, tripas e merdas suava a cântaros aguardando em pânico por certo o final da aula.

Tanto mexeu de um lado para outro que a pobre cadeira não agüentando simplesmente abriu as pernas fazendo o animal se esborrachar no chão.

O baque daquele enorme corpo fez estremecer toda a sala. Este impacto quebrou a inviolabilidade do silêncio imposto. Tudo ficou congelado no tempo e no espaço. As gotas de suor deixaram de cair petrificadas de medo. As moscas se escafederam e a brisa medrosa saiu sorrateira da sala para não levar a bronca inevitável. Em cada aluno havia a expressão angustiada do depois. De bocas abertas estavam todos de olhos fixos em mim. O aluno, de peso avantajado em pânico, todo esborrachado ao chão olhava para mim suplicando clemência. A cadeira toda arrebentada destoando do clima ria feliz da situação.

Todos esperavam de mim uma atitude cruel pelo sacrilégio cometido.

Agüentei até onde pude para não rir da situação burlesca. Quebrei então o gelo retirando a máscara de bárbaro algoz desenhando então no canto de minha boca um leve, furtivo e delicioso sorriso.

Os alunos então perceberam. Descontraíram-se. O cenário se descongelou e num ruidoso e alegre burburinho incontinente se viraram para trás olhando a vítima estendida ao chão em meio à coitada da cadeira quebrada.

Voltaram-se então para mim e provocantes disseram:

- Mas o professor não afirmou agora a pouco que excesso de fundo não quebra um banco?

Tive que admitir a brincadeira e quebrando o protocolo rir com eles.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 07/10/2012
Código do texto: T3920038
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