POLÍTICA: CAIXINHA DE SURPRESA!

Ele me abordou com aquele sorriso de vitorioso que se encontra estampado no rosto de todo candidato político. Sempre nos vimos pouco, nunca tivemos muita afinidade, porém, ele me disse que eu figurava na lista dos seus melhores amigos. Fui pego de surpresa por aquela contundente declaração de amor, impetuosa e à luz do dia! Não perguntou se podia contar com o meu voto; antes, afirmou que já contava com ele e, assim falando, sacou uma cadernetinha do bolso, escreveu o meu nome e contabilizou o total de votos que já tinha. Sorriu - sorriso largo de candidato eleito - e disse que com o meu voto, ele já estava eleito. Disse-me que era casado e que contava com o apoio irrestrito da esposa e de toda a família dele e dela e que somente eles contabilizavam 87 votos. Para que eu não tivesse dúvida de que ele era o candidato a vereador mais preparado da minha pequena cidade interiorana das Minas Gerais, passou a esboçar o seu Programa de Governo: dentre outras coisas, ele iria trabalhar pelo aumento do salário mímimo e pela redução do tempo de aposentadoria do trabalhador brasileiro. Sorri, encabulado, diante da força e do conhecimento daquele "Dom Quixote da Política Obscura" que, após declamar entusiasmado todo o seu mirabolante e megalomaníaco Plano de Campanha - suado e ofegante, pela excessiva gesticulação - pousou sobre mim seus miúdos e esperançosos olhos de ave de rapina; deixando perceptível de que não se dava conta de que lançava a sua semente nas áridas terras do meu desinteresse político. Para aumentar o meu assombro, ele terminou o seu patético discurso prometendo trabalhar pela implantação da Pena de Morte no Brasil - não só para os crimes hediondos, como também, para os inofensivos ladrões de galinha - e nem se deu conta de que, naquele momento, ele quase decretou a minha morte!

Sorri amarelo, olhei para o relógio - fingindo uma pressa que não existia - com a clara intenção de que ele ligasse o desconfiômetro e fiquei aliviado ao perceber que ele acompanhou com um olhar murcho, o meu gesto fatídico que tinha por objetivo dar a conversa por encerrada. Para evitar que ele fosse acometido por qualquer sentimento de dúvida - que reacendesse o seu entusiasmo de orador insano e desvinculado da realidade que cerca a atuação de um vereador - prometi a ele que teria o meu voto; tive, porém, o cuidado de manter a mão esquerda atrás das costas, com os dedos médio e indicador cruzados.

Ele sorriu agradecido, apertou efusivamente a minha mão, quase arrancou o meu braço, com os solavancos que me deu e se foi, com a avidez de um leão faminto, na direção de outra pobre vítima que surgiu logo á frente, dobrando a esquina. Sua marcha era altiva, seus passos eram de um vencedor...

Terminada a votação e a apuração, fiquei sabendo que ele quis se separar da esposa, em virtude de ter recebido apenas um voto, voto este que ele afirmava ser o dele; portanto, a esposa o havia traído. Contam que a amada jurou de pés e mãos juntas que havia sido fiel e que havia votado nele e, num átimo de ousadia, afirmou que ele havia errado o próprio número ao digitá-lo na urna eletrônica. Para que ele não ficasse muito triste, ela lhe disse que isso já havia acontecido com outros candidatos, uma vez que no momento de votarem em si mesmos, eles ficam cegos de emoção, paixão...

Continuam casados... o que me leva a crer que o meu ilustre amigo e candidato deixou-se dobrar pelas argumentaçoes feitas pela esposa - que, diga-se de passagem, não era candidata a nada!

Se fosse... certamente receberia uma votação mais expressiva.

Alexandre Brito - 10/10/2012

Alexandre Brito
Enviado por Alexandre Brito em 10/10/2012
Reeditado em 10/10/2012
Código do texto: T3925399
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