Infância - décadas de 70 e 80

Apanhei flores em jardins alheios pra oferecer à tia da escola; tombei da bicicleta aprendendo a andar nela; caí de uma árvore e tive o braço engessado; derramei café na roupa; deixei cair da cama minha irmã mais nova; fiquei “de mal” de amigas, juntando os dedos indicadores, ponta com ponta, com a fala: “parte aqui!”

Soprei merthiolate em cortes, várias vezes; queimei a coxa com um espeto quente, e uma bolhinha de nada, ao estourar, me fez chorar feito uma desesperada porque meu irmão ficou dizendo “vai sair as tripas...”

Fui mordida na canela pelo cachorro de dona Angelita. O danado estava preso, mas numa corda tão grande que mesmo passando longe fui alcançada, quando derrapei e caí. Minha mãe mastigou um alho e tapou o buraco, mas brigou comigo.

Aprontei uma boa que nunca esqueço. Minha mãe me mandou esperar “seu Chico Ema” na estação de trem, perto de casa, pra pegar com ele uma encomenda: era um pedaço de fumo que ele trazia e, no caminho, eu não resisti: tirei uma casquinha e mastiguei. Nossa, o mal-estar que eu senti me dá enjoo até hoje. Eu, deitada numa rede, agonizando, desejando a morte... ah, meu Deus!

Um dia, na saída da escola, quis brincar com a minha irmã mais velha. Passei por ela sem ser vista e segui no rumo de casa. De vez em quando eu olhava pra trás pra ver se ela vinha vindo, e nada. Cheguei sem ela. A coitado chegou depois, chorando, achando que tinha me perdido.

Tive um “namorado” na Alfabetização: o Henrique. Mas ele nem sabia... anos depois nos reencontramos no Ensino Médio, e foi bacana recordar com ele essas coisas de criança.

Brinquei de brincadeiras de meninos, e isso irritava minha mãe: jogava futebol, bila (apostando castanhas, com o meu vizinho), e soltava pião. Adorava! Assobiava feito um macho, como bem dizia ela, e isso também a fazia enlouquecida. Era tudo muito divertido: pega-varetas, jogo de botão, durim-durim, pula corda, estátua, 31 na mancha, boca-de-forno, carimba, guisado... Bonecas ou outros brinquedos eu quase não tinha, o dinheiro da casa não dava pra esse tipo de despesa. A tia Mirtes era quem sempre levava algo pra gente. Uma vez levou umas bonecas índias, pra Célia e pra mim. Amamos!

Com meus pais fora de casa, a brincadeira mais gostosa era tomar banho dentro de uma caixa d'água que ficava no quintal, debaixo da goiabeira. Meus irmãos e eu adorávamos fazer isso. Nossa “piscina” era imunda, a cor da água era verde-sujo, e vez ou outra a gente topava com um bodó. Serginho, o caçula, não participava, mas era preciso pagar pelo seu silêncio. Depois, meu pai fez um tanque enorme e o banho ficou ainda melhor, mas sempre às escondidas.

Dancei “Lacinhos cor-de-rosa” na escola, de meia-calça telada e “collant”. Uma das melhores recordações que tenho daqueles tempos bons. Vi na televisão muitos programas bons, ouvi muitas músicas boas, e escrevo isso tomada por uma saudade imensa, porque é muito gostoso relembrar tudo isso. Vivi uma infância inesquecível.

Que bom seria se todas as crianças tivessem a felicidade que eu tive. É uma pena que hoje esteja tudo tão diferente. Penso nas recordações que terão muitas crianças de hoje, quando alcançarem a idade adulta e isso me preocupa.

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 11/10/2012
Reeditado em 14/08/2013
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