Entrevista com o estrangeiro

Entrevista com o estrangeiro





Disseram que ele vinha de fora, vocês sabem, lá de fora. Daí a entrevista. Estava um fuzuê danado no estúdio. O chefe virou-se pra mim e disse: vá entrevistá-lo.

- Eu?! Por que?

- Porque você não está fazendo nada.

Via das dúvidas levei um bloquinho. O pessoal das câmeras e da iluminação corria de um lado para outro. O estrangeiro me parecia distinto, mesmo sendo alguém, hã, vindo de fora. Comecei com a pergunta mais óbvia do mundo. Ele se sentara numa cadeirinha de pano e me deram outra igual. Sua resposta foi desconcertante:

- Está brincando? Há vida em toda parte. Em todos os lugares! 

Alguém me tomou o bloquinho das mãos. Outra pessoa me deu uma folha de papel com um questionário todo rabiscado. Já estavam gravando, sim, eu já havia percebido. O homem prosseguia:

- Quanta vida pode haver? Quanto tempo tem estado “lá fora”? Quando a ciência começar a perceber a extensão de quanto tempo a vida esteve em sua galáxia, eles começarão a ver algo contra intuitivo para a evolução – sua própria história humana. Que idade tem o seu Universo? Perguntem aos seus cientistas e eles dirão que cerca de 13 bilhões de anos. Está certo. Vamos usar os seus números. Que idade tem o seu próprio planeta – 4 ou 5 bilhões, talvez? Correto. Mas quantos anos tem a humanidade? Por que vocês não estavam aqui com os dinossauros? Acham que a Terra não estava pronta? Acham que, talvez, aquilo que controla a evolução fosse um pouco estúpido para criar um ser humano mais cedo, mas o processo poderia criar um dinossauro? Vocês já pensaram sobre estas coisas?

Zum zum zum, gente com fios, ferramentas, outros apetrechos.

O sujeito que dirige essa coisa toda, que por sinal foi o mesmo que trouxe o estrangeiro de noite, num carro preto, blindado, agora gesticulava para mim. Era para eu ler o questionário. Cada uma que me arrumam.

- Hã...o que o senhor faz?

Ele riu, talvez surpreso pela engenhosidade da questão e disse ser um Cunhador de Frases.

Mais correria, providenciavam água, suco, sei lá o que mais.

Quando eu ia perguntar o que estava escrito o chefão saiu com uma lá de trás, não consegui entender, e o estrangeiro, sempre com um sorriso soberano, respondeu na ponta da língua:

- O animal na pradaria dá à luz ao seu bezerro e em poucas horas o bezerro está de pé, correndo com o rebanho. O bezerro sabe instantaneamente quem são os seus inimigos, qual água deve beber, qual não tem um bom odor e que frutos deve comer, que não são venenosos. Como este pequeno animal sabia destas coisas? A resposta é que esta informação foi biologicamente herdada. Tal herança vocês chamam de instinto. Mas quando vocês têm um bebê humano – nada! Ele nada sabe, além de estar com fome. Ele exige 20 anos de aprendizado! Vocês não estão cansados disto? Já pensaram sobre por que os animais têm tanto conhecimento ao começar e vocês têm tão pouco? Parece correto para o topo da escada evolutiva? É o momento para que isto mude.

Chegaram outras pessoas, todas vestidas de preto, não fossem tão importantes dir-se-ia estarem vindo de um velório, o estrangeiro sentia-se confortável como um peixe no oceano, fiz a segunda pergunta, ou terceira, já nem sei mais, começo a achar tudo um tanto improvisado.

- Que frases..., hã, que frases o senhor cunhou?

- Posso dizer as prediletas? Então vamos lá. Essa eu gosto muito: quando o amor pelo poder for substituído pelo poder do amor, a humanidade dará um salto quântico. Quer outra, vejamos, ah sim: os aspectos da polaridade elétrica, chamados de positivo e negativo, melhor seria encará-los como criativo e destrutivo.

Fiquei quieto, pensando se isso era uma frase. Há tempos descobri que o silêncio evita uma série de confusões desnecessárias. Mais gente chegara ao estúdio e só agora reparei que o estrangeiro usa uma echarpe amarela.

De novo o chefão lançou uma pergunta fora do script, de novo não consegui ouvir e ainda por cima minha caneta caiu no chão. O estrangeiro mede cerca de um metro e oitenta e aparenta no máximo 60 anos. Sua voz, no entanto, soa firme e jovial:

- O que eles querem no Oriente Médio? O mesmo que vocês aqui neste país: hospitais e escolas. A principal causa da instabilidade em seu planeta, entre os seres humanos, é a noção equivocada de que deve haver um acordo entre vocês. Na verdade, nada poderia estar mais longe da verdade. O que todos vocês estão realmente buscando não é o acordo, mas a aceitação. Há um mundo vasto de diferença entre os dois.

Daí virou-se para mim e perguntou – quer mais frases? Acabo de me lembrar de duas, cunhadas por mim.

Fiz que sim com a cabeça e ele ditou:

- “Lentamente, os poucos que criam o ódio, serão vistos como poucos”. 
“Coisas que não têm integridade hoje serão desintegradas amanhã”.

Outras pessoas anotaram, e, lá da platéia, porque de repente surgiu uma platéia, não sei de onde, uma mulher que se dizia psicóloga perguntou para ele sobre a alma.

- A alma fala uma linguagem totalmente diferente daquela com a qual você está acostumada. A alma não é nenhum poder externo lhe fazendo exigências; a alma lhe serve. A voz da sua alma vem do seu interior e, algumas vezes, fala tão baixinho e suavemente, que você não a escuta. Ou sussurra gentil e serenamente: “É tão simples, não é?”

Nessa altura do campeonato eu só queria saber das frases. Pelo visto qualquer um podia perguntar e, confesso, fiquei mesmo me perguntando que é que eu estava fazendo ali. Então um rapaz de no máximo 25 anos indagou sobre a mudança.

- Vocês verão a sabedoria no planeta em muitas áreas que nenhum sociólogo poderia prever. Vocês surpreenderão a todos e isto irá acontecer sem um programa de governo. Isto acontecerá porque vocês decidiram que o queriam. Isto acontecerá coletivamente, e poderão vê-lo em breve. Começa com o lance da alma – frisou ele, sempre sorrindo - Para ter mais amor, devem ser mais amorosos, vocês não podem atrair o amor, até que deem amor. Vocês não podem ser felizes, até que façam alguém feliz através da bondade amorosa, da orientação atenciosa e da amizade. Vocês não podem ter paz até que liberem os pensamentos de vingança, ódio, malícia e ressentimento – todos eles emoções e pensamentos negativos. Vocês não podem sentir alegria, até que toda divisão seja extraída de sua mente e a unidade se instale no seu sistema. Então, quando as pessoas ao redor de vocês os verem neste novo estado, dirão: “Você está diferente. Não está tão irritado. Não reage. O que você encontrou? Eu quero.” É assim que começa.

Lentamente ele se levanta de sua cadeira de pano e diz baixinho que precisa ir embora. Eu ouvi isso. O chefão lá atrás começou a se mover para onde estávamos vociferando que ele não ia a lugar nenhum, mas, acredite se quiser, sabe o que aconteceu? O estrangeiro desapareceu, bem diante de nós. Todos ficaram estarrecidos. Guardei meu bloquinho no bolso, discretamente, e um alvoroço sem igual tomou conta do lugar. Tinha gente passando mal, pedindo um copo d'água, o chefão ficou lívido, aquele rapaz gargalhava e a psicóloga orava, pelo visto ninguém ia me pagar pela entrevista. Fui saindo de fininho e lá adiante, do nada, o estrangeiro surgiu diante de mim, com os dentes alvos, brilhantes, indagando se eu queria mais uma frase. Exultante eu assenti, sacando do bloquinho. Disse ele:

- O que entra na mente tem um grande efeito sobre o que sai da mente.

Depois desapareceu de novo e como ninguém viu, fiquei de boca fechada. Quem é que ia acreditar numa história dessas?



(Imagem: Pavãozinho-do-pará,  Amazônia)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 13/10/2012
Reeditado em 17/06/2021
Código do texto: T3930678
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