PARA OS PROFESSORES, COM UMA FLOR.

Início dos anos 80 e eu estava prestes a concluir a minha graduação em História .

Tudo muito estranho! Jamais imaginei cursar uma faculdade de primeiríssima linha com tamanha dificuldade de aprendizado?! Foi essa a maior responsabilidade da minha vida até então. Impressionante foi a minha força de vontade que vinha me acompanhando desse os primeiros tempos da vida escolar. A minha inteligência residiria apenas nisso: um esforço desmedido, horas sem conta debruçada sobre os livros, nenhuma tarefa sem cumprir. Eu queria apenas ser! Enfrentando inúmeras situações humilhantes! E eu acabei me entregando ao exagero das tentativas.

Nos anos de USP, poucas horas de sono, andanças intermináveis. E eu tinha que estudar dentro do ônibus em movimento, porque o tempo era por demais escasso para dar conta de livros e livros. Ia balançando tudo e isso para mim era terrível. No metrô, era bem mais fácil, mesmo em pé a leitura era feita a contento.

E muitas vezes eu comi bem menos que o necessário. Não dava tempo.

Numa noite, chegando a uma unidade do pré-vestibular em Pinheiros, lá estavam a postos alguns estudantes de Medicina. Pediram para que eu deixasse que me fizessem um exame de sangue. Permiti. Em minutos o resultado ficou pronto e eles, terminantemente, proibiram que eu entrasse em sala naquelas condições. Com determinação, eu disse que não teria um minuto sequer para tomar um lanche e que a aula seria dada assim mesmo. Eu não quis ser deselegante, mas apenas verdadeira.

Nunca me esqueci dos primeiros anos na escola. Como era comum darmos presentes aos professores. Nenhuma data escapava: Páscoa, dia dos professores, Natal. Era tão especial levar um pacotinho bem embrulhado que dava dó das crianças que não tinham condições de fazer a sua parte.

Numa Páscoa, a minha mãe comprou uma caixa de 1 quilo de chocolates finíssimos, marca Sonksen. Levei para a minha professora do segundo ano primário com orgulho e um cainho imenso, mesmo ficando com vontade e tentando adivinhar como seriam aqueles bombons, o formato, como seria o recheio.

Havia uma alegria muito intensa e resplandecente ao presentear a professora. Olhávamos, no fim do dia, a quantidade de pacotes de presentes, as cores, os laços e cartões. Sabíamos que, com o esforço deles, o mundo para nós seria melhor, mais bem construído, cheio de dignidade e teríamos respeito social. Haveríamos de servir a sociedade também, cada qual à sua maneira. Teríamos importância.

E como era bom respeitar os professores! Olhar para eles e percebê-los humanos na sua singularidade. Os erros que eventualmente cometiam eram coisas de pessoas que fazem.

O meu filho presenteou muito os professores também com gosto e estima. Nesse caso eu mesma fazia os chocolates. Com que carinho e suavidade! E eu inventava recheios, amorosamente. Embalava cada bombom como se fosse jóia rara. É que as pessoas a serem presenteadas eram as que se dedicavam para que o meu Vinícius e os seus amigos fossem pessoas de fibra, capazes de mudar um pouco o mundo, partilhar alguma conquista intelectual. O mundo seria melhor com eles e pelas mãos dos professores.

Hoje, com mais de meio século de existência, felizmente grisalha,vou ao encontro dos meus atuais professores para presentear. Professores com sabedoria, paciência, disponibilidade de partilha, fazendo de uma existência o maior espaço para um amor que não se acaba.

Volto para as minhas formas de bombons, invento recheios, modelo, escolho os melhores, os mais perfeitos. Isso como apenas uma simples representação de agradecimento para todos aqueles que têm fé na vida.

Hoje tenho uma professora de tai ch´i e dois professores de artes cerâmicas para presentear. Quanta sabedoria eles contêm! O tai ch`i oferece equilíbrio entre corpo e mente. Como arte marcial, inigualável na suavidade e na possibilidade que nos dá de fazermos e assumirmos integralmente o nosso próprio eixo. O tai ch`i me ensinou a dizer “não” sem me sentir culpada, me ensinou a economizar lágrimas grossas de sal pelo amor irremediavelmente perdido, me ofereceu condições para jogar fora energias perversas e compactas antes contidas na alma.

As artes cerâmicas me deram o contato com o chão, com os antepassados que tiravam da terra a matéria-prima para fazer o seu utilitário, o seu prato, a sua xícara e também algum enfeite. A escultura oferecendo as múltiplas formas de aproximação entre o real e o divino, o imaginário e o material, o sonho do abraço que dura, permanece diuturno em todas as estações.

A cerâmica que me ensinou a ser maleável, a amassar um pedaço de argila com as duas mãos... e transformar... da mesma forma que o mundo amassa impiedosamente o nosso coração, joga para o alto, recorta. Amassa de novo e faz do nosso coração o que quer e como quer. Brinca ... amassa de novo, deixa endurecer. E a gente ainda assim permanece com a capacidade de lidar com esse coração, às vezes tão endurecido, porém bonito, perene e com uma cor própria. Sem contar, a minha grande amiga e eterna mestra, Maria Luiza Perico, que, na sua humildade, tem uma sabedoria raríssima, um olhar abrangente e amoroso, palavras sempre corretas e pontuais. Pessoa que perdoa com facilidade, porque, afinal "cada um dá o que tem". Um ser humano integral.

Obrigada, professores. A todos vocês, sem nenhuma exceção. “Obrigada” quer dizer: por tudo o que fizeram e fazem por mim eu sou obrigada a reconhecer em vocês toda a grandeza de alma, uma riqueza inesgotável, uma essência de vida com o brilho mais intenso. Vocês só são menores que Jesus , que deu a vida para ensinar a amar, perdoar, ter compaixão... e viver em paz.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 15/10/2012
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