A dona da festa


 
     Não comemoro nada, apenas reflito. Nem feliz nem triste, apenas neutro, sem me importar com aparências ou me empolgar em admirar os esplendores supérfluos de um espetáculo ridiculamente festivo.
 
     Cansado? Não. Apenas quero continuar aqui, sentado, olhando as cordiais estrelas dessa noite que me abraça enquanto bebo um vinho e ouço meu som. Sozinho, com meus fones de ouvido isolando-me de tudo que é barulhento e ignorante neste mundo de gente igualmente... barulhenta e ignorante!
 
     Na minha frente, com olhar inquisidor, e inquieta, ela me observa sem disfarçar seu ódio (se pudesse, me comeria vivo), essa mulher rancorosa, cujo sentimento cruel ainda destruirá seu coração repleto de vazios. Minha vizinha de más vibrações.
 
     Ela é a dona da festa, e não entende, simplesmente não aceita que eu seja assim: soturno.
 
     Do outro lado da rua sua casa está cheia de convidados, a música é alegre e todos bebem achando que existe algum significado em suas atitudes descompromissadas com qualquer coisa que precise de reflexão, estudo e pensamento.
 
     Ela não está feliz com minhas atitudes, tem inveja sem motivo aparente, assim como também inveja seus amigos da festa porque não consegue aceitar que estejam acima dela em nada.
 
     Vamos ser pragmáticos... quem tem coragem o suficiente para admitir que não gosta de alguém apenas porque não está a sua altura?
 
     Não vou dizer o nome dessa pessoa convicta de seu status narcisista e aristocrático (que na verdade serve apenas de plano de fundo para disfarçar sua maior fraqueza: a vileza de suas atitudes), mas essa imbecil não entende que prefiro a solidão, uma bebida para reflexão (e não para extravagâncias e conversas vazias), e cultivar a tristeza.
 
     Cultivar a tristeza? Pergunta ela com seu ar de deboche e superioridade teatral, e por isso mesmo tentando disfarçar seu medo do desconhecido. Algo que nunca entenderá, mesmo em seu maior e ecumênico esforço intelectual, já que suas tentativas frustradas de ridicularizar minha atitude com sua ignorância sempre irão falhar.
 
     Olho para ela. Olho para sua festa e seus convidados. Todos fazendo papéis de imbecis. Eles não vêem beleza em nada. Será que foram adestrados pelos costumes dessa vil mulher? Tanta tristeza boba nas suas vidas diárias de acordar e trabalhar. Todos escravos tristes.
 
     Eu era igual a eles.
 
     Hoje, sou o que chamam de "espírito livre".
 
     Em sua tentativa inútil de aproximação ela atravessa a rua e me oferece bolo, bebidas e diversão. Mas eu olho tudo que ela me oferece e, indiferente e sem dizer uma única palavra, viro minhas costas para seu costume de boa vizinhança e volto para casa, fechando a porta para seu convite hipócrita.
 
     O meu erro talvez seja compartilhar com todos vocês, caros leitores, meus pensamentos íntimos. Porque sozinho, sem me expôr, eu talvez não veria tantos imbecis criticando o que sou.
 
     Mas vamos fechar a porta (tal como eu fiz), apagar a luz, desligar o mundo e ligar o som. Porque nossas almas precisam de uma música relaxante e meditação, meus amigos leitores. Longe de pessoas incontrolavelmente insanas, como essa imbecil que traz o barulho e a discórdia por onde caminha.
Sr Arcano
Enviado por Sr Arcano em 16/10/2012
Reeditado em 01/02/2014
Código do texto: T3935838
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